As reclamações por barulho aumentaram na cidade de São Paulo em 2022. O Psiu (Programa de Silêncio Urbano), da Prefeitura, recebeu, até o final de junho, 12.969 chamados, mais que o dobro do registrado no mesmo período de 2021. O patamar supera até o nível pré-pandemia – no primeiro semestre de 2019, foram 9.443 queixas.
Em todas as regiões da capital, o barulho tira – literalmente – o sono de moradores, que se mobilizam. Na zona norte, o foco são os eventos no complexo do Anhembi e no Campo de Marte. Na Vila Madalena, na zona oeste, a queixa é a música alta em bares. No Butantã, na mesma região, vizinhos reclamam de pancadões itinerantes e mesmo de bares que funcionam em contêineres e, sextas e sábados, fazem shows ao ar livre sem o menor constrangimento.
O Psiu fiscaliza os locais que ultrapassam os limites de som na cidade. A média é de 60 decibéis durante o dia; 55 à noite e 50 de madrugada. Em zonas residenciais, os limites são menores. A irritação dos ouvidos humanos aumenta a partir dos 60 dB, com os latidos de um cachorro, por exemplo; aspiradores de pó produzem 85 dB, enquanto um caminhão gera 105 decibéis.
Moradora a dois quilômetros do Sambódromo, a administradora Maria Helena Spaziani conta que é obrigada a dormir na sala nos fins de semana de shows, por causa do barulho que chega à Casa Verde. No mesmo bairro, o produtor cultural João Moreirão, de 65 anos, recorre a fones de ouvido ou simplesmente foge para a casa do filho, em Perdizes. “Se aumentar muito a TV, incomodo o vizinho”, diz ele.
Por causa de reclamações assim, o aposentado Geraldo Gomes, de 61 anos, também morador da região, criou em 2018 o movimento “Anhembi, queremos dormir”, página no Facebook com quase 800 membros. Gomes classifica os shows como “pancadões com ingressos” e destaca que não tem nada contra festas. Só cobra o cumprimento da lei. Depois de inúmeras queixas, os dois locais foram multados em maio e junho. Conforme o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), uma banda produz mais ou menos 115 DB.
O Anhembi está em uma ZOEs (Zona de Ocupação Especial), espaço que abriga casas de shows e estádios e necessita de regulamentação específica. Em maio, vereadores da base governista apresentaram um projeto para aumentar o limite de barulho de 55 dB para 85 nesses entornos. O projeto, que provocou indignação em associações de moradores de áreas vizinhas, está parado.
Fora das casas de shows, a música alta incomoda ainda mais. Os moradores do Jardim Jaqueline, no Butantã, dizem não aguentar mais os pancadões, de sexta a domingo. Eles são itinerantes: carros customizados com paredões de som promovem bailes sempre em locais diferentes. A reportagem teve acesso a um relatório preparado pelos moradores e encaminhado à Polícia Militar. As medições registram 80 decibéis em apartamentos a 300 metros do pancadão.
Adelaide Nardocci, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, explica que a exposição à poluição sonora afeta a saúde e o bem-estar. “Entre os efeitos crônicos (após exposições repetidas por período prolongado), os mais importantes são o aumento do risco de doenças cardiovasculares; alterações no funcionamento do sistema endócrino, podendo resultar em obesidade abdominal; diabete tipo 2 e distúrbios do sono, que trazem prejuízos para a saúde mental e a realização das atividades diárias”, afirma.