Donald Trump entra na Casa Branca envolvido em escândalos, em uma batalha direta com os Serviços de Inteligência e com a imprensa, e diante de um mundo em chamas.
Entre tantos desafios que o presidente eleito irá enfrentar após sua posse na próxima sexta-feira (20), a mais urgente parece ser estabilizar o país.
Mesmo após ter sido nomeado, uma investigação feita pelo Congresso verifica a possibilidade de uma conspiração dos russos com sua equipe de campanha. Temendo um contratempo depois de ter vencido a democrata Hillary Clinton em uma eleição histórica, Trump partiu para a ofensiva.
O próximo presidente criticou os “agentes políticos”, os Serviços de Inteligência – comparando-os com os nazistas – e a imprensa, relembrando táticas de campanha que o deixaram em uma boa situação com seus apoiadores.
Junto com isso, existem, porém, alegações de nepotismo, problemas legais com os interesses de suas empresas, a pouca preparação de alguns nomeados para gabinetes e uma briga sobre a reforma no Sistema de Saúde (conhecido como “Obamacare”), que deixou os republicanos em um contexto complicado.
As coisas parecem ficar mais difíceis.
A imagem de “Don Teflon” – que como candidato presidencial vivia entre escândalos como nunca antes visto na história da política moderna – domina.
Para além do gasto de tempo e energia com combates em múltiplas frentes, as crises parecem minar sua credibilidade, moeda de troca de qualquer Presidência.
Seu nível de aprovação permanece em 44%, de acordo com a pesquisa do Instituto Gallup. Trata-se do nível mais baixo de apoio a um novo presidente desde que a organização começou a fazer enquetes na era Clinton.
Nesse mesmo período, que antecede a posse da Casa Branca, Barack Obama tinha a aprovação de 83% da população.
Essa impopularidade de Trump tornará muito mais fácil para os aliados se organizarem. Congressistas republicanos que buscam se reeleger em estados, ou distritos, moderados não enfrentarão uma batalha por um presidente profundamente impopular.
O senador Marco Rubio – ex-adversário de Trump nas prévias republicanas – já considera se opor abertamente à escolha de Trump para o cargo de secretário de Estado, o executivo Rex Tillerson.
Governadores republicanos também se recusam a revogar o Obamacare e, com isso, a vitória de Trump começa a ser posta em xeque.
Uma manifestação em massa – “Women’s March on Washington” – é planejada para sábado (21), um dia após sua posse.
Com esse clima tenso, Trump pode ser o primeiro presidente a entrar na Casa Branca com uma mentalidade “bunker”.
Os primeiros 100 dias de seu governo com legislações populistas e ações executivas poderiam ajudar a “estancar o sangue” – o que evitaria confrontos desnecessários.
Manter a equipe junta
Para ajudar a conduzir o país, Trump montou uma equipe que conta com membros de sua família, militares, bilionários e republicanos do establishment – alguns dos quais não possuem qualquer experiência na Casa Branca.
O CEO transformado em comandante em chefe vê seu estilo independente como uma vantagem. E acredita em que isso terá um impacto em massa nos moldes de suas decisões.
Uma grande variedade de opiniões dentro da Casa Branca pode ser construtiva, ou funcionar como combustível para uma disputa por influência que pode deixar a Casa em ruínas.
Será que Ivanka, filha de Trump, ou seu marido, Jared Kushner, serão os últimos a ficar no Salão? Ou serão os conservadores, como o vice-presidente Mike Pence e Steve Bannon, estrategista de governo com ideologias de ultradireita?
Homem forte
Trump, como Obama, assumirá o cargo em um momento que as potências regionais rivais ganham mais força e não têm medo de usá-la. Manter a primazia dos EUA será um trabalho em tempo integral.
Na Rússia, Vladimir Putin parece ser o líder mais forte desde Leonid Brezhnev, com suas agressivas tentativas de renegociar os termos definidos com o fim da Guerra Fria.
Os esforços de Putin para restabelecer a influência de Moscou na Síria dificultou a administração de Obama. Uma condução similar da Rússia no Afeganistão, na Líbia e no leste da Europa poderia representar um sério problema para a proposta de Trump de suavizar as relações.
Em outra direção, o presidente eleito toma uma postura mais belicosa em relação à China, no momento em que Pequim está se sentindo mais assertiva.
Enquanto Mao Zedong transformou a sociedade chinesa, e Deng Xiaoping fez do país uma potência econômica, o atual líder, Xi Jinping, quer fazer da China uma força diplomática e militar.
As ambições rivais de Trump e Xi trazem à tona, dramaticamente, a possibilidade de inúmeras disputas, que poderiam se tornar pontos críticos: de Taiwan até as taxas de câmbio para a livre-navegação no Mar da China Meridional.
Aliados
Poucos ficaram mais perturbados com a eleição de Trump do que os tradicionais aliados dos Estados Unidos.
Trump questionou os valores da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – chamando-a de “obsoleta” durante entrevista ao tabloide alemão Bild e ao londrino The Times – e do tratado de Washington que auxilia os aliados na Ásia.
“Trump sempre acreditou que os Estados Unidos estão sendo usados pelos seus aliados”, afirmou Thomas Wright, da Brookings Institution.
“Ele prefere que os Estados Unidos não tenham de defender outras nações, mas, se tiverem, quer que paguem o máximo possível por isso”, completou o especialista.
Até agora, a maioria – incluindo Grã-Bretanha e Japão – adotou uma estratégia de engajamento, aproximando-se de Trump, a fim de ganhar sua confiança.
Crises
Todo presidente enfrenta crises inesperadas de Segurança Nacional, mas, talvez, a maior crise estrangeira que Trump irá enfrentar seja muito conhecida: a Coreia do Norte.
O país tem trabalhado freneticamente para produzir duas tecnologias letais – um míssil balístico de capacidade continental que possa atingir os Estados Unidos e um dispositivo nuclear miniaturizado para ser sua carga útil apocalíptica.
Trump já mostrou que isso é o limite.
“A Coreia do Norte acaba de afirmar que está em fase final de desenvolvimento de uma arma nuclear capaz de chegar a locais dos EUA. Isso não acontecerá!”, tuitou.
Certificar-se disso será, porém, muito mais complexo.
Sanções contra a Coreia do Norte tiveram um impacto limitado e a hostilidade de Trump com a China parece impedir qualquer ajuda de Pequim para enfrentar Pyongyang.
Ele poderia adotar respostas mais dramáticas, como incapacitar os sistemas de armas norte-coreanos com ataques cibernéticos, aéreos, ou até mesmo com invasões.
“Trump vai ouvir alarmes para lançar uma guerra preventiva”, disse o especialista Leon Sigal, do Social Science Research Council, de Nova York.
Mas isso significaria confiar na Inteligência americana.
“Para um presidente que, como candidato, repetiu críticas sobre a intervenção militar americana no exterior e foi cético com alianças”, acrescentou Sigal, “essa opção seria particularmente intragável”.