Mais importante no seu gênero, o Festival Cannes demorou a ter um prêmio LGBT, reconhecendo filmes nesta categoria somente a partir de 2010, quando criou A Queer Palm. A mostra de Berlim faz isso desde 1987 e a de Veneza, desde 2007. Mesmo chegando tarde, a premiação francesa já começa a se destacar no cenário internacional, como mostrou sua última edição, encerrada há uma semana.
Parte do júri da premiação gay de Cannes, o diretor brasileiro Ricky Mastro pode acompanhar essa evolução de perto. “Os filmes são selecionados a partir de uma visão Queer, o que torna tudo bem mais abrangente do que analisar as produções apenas como sendo filmes do gênero LGBTT”, explica o cineasta, lembrando que a mostra deste ano contou com filmes de diversos países e de diferentes gêneros, como docudramas (misto de ficção e documentário), e representação de histórias reais, além das tradicionais ficções.
No júri do prêmio, o diretor teve a oportunidade de conviver com figuras importantes do cinema LGBT, como o cineasta canadense Bruce LaBruce, que presidiu a edição 2014 do Queer Palm. “Ter a chance de ficar essas duas semanas com ele me ensinou muita coisa, o Bruce tem uma visão genial de cinema, está com dois filmes fantásticos percorrendo festivais”, conta Ricky, se referindo aos longas “Gerontophilia” e “Pierrot Lunaire”, ainda inéditos no Brasil.
Ricky elogia a abordagem nada estereotipada da comunidade gay do vencedor deste ano da Queer Palm, o filme britânico “Pride”. A produção dirigida porMatthew Warchus retrata a inusitada aliança entre os movimentos LGBT e de mineradores em 1984, na Inglaterra. “Tem relevância histórica, mostra a nossa comunidade no meio da década de 80 sem maneirismos e clichês, de uma maneira bem sútil”, opina o diretor.
Além do vencedor, Ricky destaca três filmes franceses de temática LGBT: “Party Girl”, sobre uma hostess de um clube que decide se casar, “Bande de Filles”, que retrata uma comunidade de mulheres negras lésbicas do subúrbio de Paris, e “Mommy”, o último trabalho do prestigiado jovem diretor Xavier Dolan. Este último levou o Prêmio do Júri da mostra principal do Festival de Cannes
O diretor brasileiro também viu méritos no longa americano “Foxcatcher”, dirigido porBennett Miller e estrelado pelo galã Channing Tatum, que vive um atleta da luta greco-romana. “É um filme de esportes, que pode ser visto de diversas maneiras. Mostra a relação homoerótica entre um lutador de luta livre e o seu mecenas, o homem mais rico dos Estados Unidos”, descreve Ricky.
NOSSA IDENTIDADE NAS TELAS:
Ricky vê a temática gay ganhando cada vez mais força no cinema mundial. “A beleza do momento que vivemos agora é que temos várias pessoas tratando de nossa cultura, de nossa identidade nas telas. Isso é ótimo, mas ainda temos que explorar mais e mais cada assunto, cada letrinha da sigla LGBTT. É hora do cinema falar mais sobre os travestis e transexuais, principalmente sobre as mulheres que fazem o processo para se tornarem homens”, defende o diretor, que também sente falta de mais produções sobre a vida das pessoas HIV+.
O Brasil também tem tido um papel importante no cinema LGBT para Ricky, que destaca duas produções recentes, o filmes “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro, e “Praia do Futuro”, de Karim Aïnouz. Sobre este último, o diretor questiona a reação de parte do público, que deixou sessões do longa ao se deparar com as cenas de sexo entre os personagens de Wagner Moura e Clemens Schick. Ele lembra que no início deste ano o drama lésbico francês “Azul É a Cor Mais Quente” , com longas cenas de sexo entre duas mulheres, não obteve este tipo de rejeição.
“Fico me perguntando: ‘O público em geral aceita mais facilmente a homossexualidade feminina no cinema ou apenas fica melindrado de ver o herói Capitão Nascimento com outro homem na tela?’”, discute Ricky, fazendo menção ao personagem de Wagner nos dois filmes “Tropa de Elite”.
Formado em Artes Cênicas pela Universidade de Washington e em Cinema pela FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), com vários curtas-metragens no currículo, Ricky se prepara para dirigir o seu primeiro longa-metragem, que está em pré-produção e vai se chamar “Jogos de Mente”. No elenco do elenco do longa, estarão os atores Aparecida Petrowky, Paulo Vilela, Rodrigo Dourado, Rodolfo Valente e Augusto Volcato.
“O filme conta a história de um grupo de quatro pessoas que convivem entre si e com a chegada de um quinto elemento, personagem do Paulo Vilela”, revela Ricky, que ainda não definiu ainda a data das filmagens e nem de estreia de “Jogos da Mente”.