Se quisessem pegar o mesmo elevador, os atletas entrevistados para esta reportagem teriam que fazer várias viagens para distribuir seus quase 800 quilos. “Pesos pesados” em diferentes esportes, eles contam que a dieta para controlar o peso nas categorias mais altas também é rigorosa e que, no embate entre gigantes do esporte, nem sempre mais quilos significam mais chances de medalha. Com muita proteína no prato, suplementos e horas de sono sagradas na programação diária, eles torcem para que o peso adquirido nos treinos traga mais ouro nos Jogos do Rio.
O para-atleta do judô Wilians Araújo, de 24 anos, disputa a categoria acima de 100 quilos para deficientes visuais, mas já esteve bem acima disso. Com 1,90 metro de altura, o paraibano já tentou competir com 151 quilos, mas, na busca pelo melhor desempenho entre os pesos pesados, mais massa não o ajudou a vencer mais lutas.
“Fiquei um pouco lento nos golpes que eu fazia com mais explosão. Fiz um teste e não gostei”, conta ele, que baixou o peso para 142 quilos e agora se sente satisfeito. “Abaixo disso, eu já não acho legal, porque luto com gente bem mais pesada.”
Também do judô, disputando vaga na categoria olímpica acima de 100 quilos, o mato-grossense David Moura é outro que já enfrentou gente bem mais pesada, com quase 200 quilos, e venceu. “Meu diferencial na luta é a velocidade e a potência que entram os meus golpes. Quero ser cada vez mais rápido, veloz e atlético, para vencer pelo preparo e na velocidade com que troco a pegada e entro no golpe”, diz o atleta de 28 anos, que hoje tem 135 quilos, peso que só atingiu após quatro anos de treino no alto rendimento.
“Quando entrei na seleção em 2010, eu tinha 112 quilos. Com 112, eu estava muito fraco para um peso pesado, e com isso foram vários trabalhos. Primeiro para 120, com seis, sete meses me adaptando. Depois, para 130. No momento em que se faz esse trabalho, a ingestão calórica é muito grande, e ganha-se gordura, mas depois adequa-se a alimentação para perder”, explica o judoca, que ingere cerca de 8 mil calorias por dia com a ajuda de suplementos e rigoroso acompanhamento nutricional.
“A maioria das pessoas vem me perguntar e me diz que ‘o bom é que eu posso comer o que eu quiser’. Acham que não temos preocupação com o peso, mas estamos falando de esporte de alto rendimento e performance. Tenho que suprir as minhas necessidades corporais e comer de uma forma que a minha performance aumente”, acrescenta.
“Mulher tem Curvas”
Na luta olímpica, Aline Silva, de 29 anos, também disputa a categoria mais pesada, que, para mulheres, é até 75 quilos. De acordo com Aline, atingir esse peso requer uma programação que começa bem antes da competição, já que seu peso normal é de 80 quilos. “Na semana que antecede a pesagem, bebo bastante líquido, principalmente água, para perder apenas líquido para o momento da pesagem. Evito todo tipo de carne três dias antes da pesagem e, depois, recupero o peso perdido com carboidrato, macarrão e batata.”
A lutadora considera natural sua opção pela categoria mais pesada por medir 1,77 metro de altura. “Já lutei algumas vezes, bem poucas, na categoria até 69 quilos, mas tinha que perder muito peso e acabei ficando na de 72, que em 2014 passou a ser 75 quilos”, diz Aline, ao ressaltar que a população tem um estereótipo da aparência do atleta que pesa mais sobre as mulheres. “As pessoas ficam mais em cima de nós, meninas. Esse estereótipo da magreza não existe. A mulher tem curvas.”
Na corrida para chegar a mais uma paralimpíada aos 44 anos, a atleta Rosinha Santos, do arremesso de peso e lançamento de disco destaca que o peso não é determinante em seu esporte, mas diz que, para ter melhor desempenho, pretende sair dos atuais 98 quilos para chegar a 85. “Não existe um peso ideal. Posso estar com 200 quilos e arremessando. É uma questão de saúde mesmo. Quero eliminar esse peso, mas, para o atleta, é complicado perder. Não posso fazer um regime rigoroso, se não vou perder a força”, afirma Rosinha, que, além dos mais 30 arremessos e lançamentos diários, faz musculação para aumentar a massa magra e ganhar força.
Classes pesadas pedem força e experiência
Já garantido na Olimpíada na luta greco-romana, Antoine Jaoude, de 125 quilos, está no limite de sua categoria. Com 39 anos, ele diz que as classes mais pesadas são mais abertas a atletas mais velhos. “A experiência ajuda bastante e sempre ouvi de fisiologistas que, nas categorias mais pesadas, é fundamental ter força e resistência. Nas mais leves, o atleta usa mais a velocidade, que os mais novos têm mais. As mais pesadas são mais técnicas, usam mais estratégia e conta mais a força.”
Lutador há mais de 20 anos, ele chegou à categoria mais pesada quando sua filha nasceu prematura e, na rotina de acompanhá-la no hospital e treinar, não conseguiu perder peso o suficiente para competir na categoria de até 97 quilos. Hoje consagrado na categoria mais pesada, ele também disputa a vaga para os Jogos na luta olímpica de estilo livre. O outro candidato é Eduard Soghomonyan, brasileiro nascido na Armênia, que aguarda os últimos passos da naturalização para poder disputar a vaga, que será decidida em uma seletiva. Eduard treina duas vezes por dia, dorme bastante e “come muito arroz, feijão e frango” para manter os 122 quilos.
“Meu peso é mais de músculo mesmo. Pego musculatura muito rápido. Como lutamos com caras muito grandes, é preciso estar muito forte. Musculatura é mais pesado que gordura e dá mais resistência. Quem tem mais gordura, cansa mais”, destaca Eduard, que faz treinos funcionais e corre três vezes por semana para melhorar a respiração.
Quando chegou ao Brasil, em 2012, ele conheceu uma fruta bem brasileira que passou a fazer parte de sua dieta de lutador. “Todo dia eu como açaí. Até duas vezes por dia. Frutas são muito importantes na minha alimentação”, diz ele, que dorme oito horas durante a noite e mais duas à tarde. “Quem não está dormindo e descansando direito, não consegue treinar muito bem por muito tempo. Se não descansar, vai chegar uma hora em que o corpo não vai aguentar.”
O esporte de Jonas Licurgo, o arremesso de peso, e lançamento de dardo e disco, não faz exigências sobre o peso do atleta. Na preparação para ganhar cada vez mais força, no entanto, o cadeirante conseguiu voltar ao peso que tinha antes de ser baleado quando em serviço na Policial Militar no Rio de Janeiro.
“Eu tenho hoje o mesmo peso que tinha anteriormente ao acidente, só que a distribuição é diferente. Como minha perna está atrofiada, perdi muita musculatura. Em compensação, o meu tórax e o meu braço estão muito maiores. Minha perna diminuiu, e em cima cresceu, então, estou no mesmo peso”, descreveo atleta, que tem 85 quilos e come bastante proteína, seguindo as recomendações da mulher, que é nutricionista.
Licurgo afirma que ganhar mais força tornou seu dia a dia mais fácil para lidar com obstáculos à acessibilidade. “Eu procuro ver todas as dificuldades como treino. Quando vou a alguma rua ou a algum estabelecimento que tem uma rampa muito grande ou uma rua íngreme, não gosto de pedir ajuda. Gosto de pelo menos tentar. Meu treinamento físico me dá muito mais resistência e muito mais força, e isso me ajuda no dia a dia.”