O Movimento Passe Livre (MPL) divulgou na tarde desta quinta-feira (14) os trajetos das manifestações contra o aumento das tarifas marcadas para esta tarde. Um dos protestos sairá do Largo da Batata, na Zona Oeste, e seguirá até o Metrô Butantã e o outro sairá do Theatro Municipal, no Centro, e seguirá até o Masp, na Avenida Paulista.
Os trajetos foram divulgados no Facebook do movimento após polêmica com o governo e a Prefeitura de São Paulo, que cobravam o aviso prévio do caminho que será seguido pelos manifestantes. Uma reunião chegou a ser promovida pelo Ministério Público nesta manhã, mas nenhum representante do MPL compareceu.
De acordo com a nota do MPL, “o trajeto do Theatro Municipal vai passar pela Prefeitura e Secretaria da Segurança Pública, subir a Avenida Brigadeiro até a Paulista e terminar no Masp”. Já “o trajeto do Largo da Batata vai subir pela Avenida Faria Lima, passar pela Praça Panamericana, atravessar a ponte da Cidade Universitária, pegar a Avenida Vital Brasil e terminar no Metrô Butantã”. “Nós iremos realizar os atos e terminaremos os dois. Essa é nossa intenção clara e explícita”, completa o movimento.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública disse que “a proximidade entre a divulgação do trajeto pelas lideranças do Movimento Passe Livre e o início das manifestações prejudica a população de São Paulo, que não terá tempo hábil para se reorganizar e evitar as áreas ocupadas pelos manifestantes”. Apesar disso, a secretaria afirma que “irá providenciar a segurança no trajeto das duas manifestações para garantir a tranquilidade da população.”
Reunião do MPL
A reunião no MP, marcada para às 10h, tinha o objetivo de debater o “exercício do direito de livre manifestação e o direito à livre circulação nas vias públicas”. Integrantes do MPL informaram que ninguém do movimento foi à reunião porque eles já tinham um trajeto definido para a manifestação desta quinta-feira.
No protesto de terça-feira (12), as primeiras bombas estouraram quando representantes do movimento e policiais divergiam sobre o trajeto da manifestação.
No início da reunião, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, afirmou que a Constituição exige “que haja comunicação para as autoridades”. “O que a comunicação não indica é quais são as autoridades e o modo como a comunicação é feita”.
Depois, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, como representante do estado, voltou a dizer que o MPL deveria comunicar o trajeto e se não o fizesse, iria agir como no protesto de terça-feira (12). “O texto da Constituição é auto aplicável e se não houver comunicação do trajeto, vamos fazer como foi feito na terça-feira, para garantir o direito dos demais, o direito de ir e vir”, disse.
O secretário de Governo da Prefeitura, Francisco Macena, afirmou que a população não pode ser prejudicada. “Toda semana temos manifestações e a gente respeita. O que nós pedimos ao MP foi fazer essa mediacão com o movimento para que a população não seja prejudicada. É impossível mudar linha de ônibus, retirar materiais de obras públicas que podem machucar e garantir a segurança dos manifestantes se não tivermos um trajeto com antecedência.”
O procurador-geral da Justiça de São Paulo disse que o Ministério Público está acompanhando os desdobramentos do protesto e instaurou inquéritos. “O Ministério Público pode agir em relação ao abuso. Foram instaurados inquéritos policiais para apurar os atos de vandalismo e a ação da polícia. Tudo será investigado”.
O Ministério Público convidou representantes do MPL e de outros movimentos que quiserem para uma nova rodada de reuniões na segunda-feira (17).
Constituição Federal
Após o protesto desta terça-feira (12) que deixou ao menos 20 feridos e 13 detidos em São Paulo, o secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, e integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) divergiram sobre o aviso prévio da rota das manifestações. Artigo 5º, inciso XVI da Constituição Federal, diz que é exigido aviso prévio, no entanto, para especialistas ouvidos, não há limite de prazo.
O texto da lei diz “que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente.”
Para Fernando Dias Menezes, professor titular de direito administrativo da USP, o cenário de uma manifestação expõe conflitos de direitos e que são difíceis de serem solucionados. “Em linhas gerais, esse tipo de conciliação de liberdades constitucionais é sempre uma matéria complexa, não tem solução evidente. É liberdade de reunião de um lado e o direito de locomoção de outro. ”
Segundo ele, em termos constitucionais, não há necessidade de pedido de autorização para a realização de uma manifestação, mas é preciso de bom senso.
“Que parâmetros a Constituição dá? Liberdade de reunião, que é a manifestação. Não precisa de autorização do poder público para ocorrer, mas precisa que seja avisada com antecedência e isso estabelece um diálogo com o poder público. O prazo não é estipulado na Constituição, é uma brecha na legislação, mas é razoável que tenha um prazo.”
O professor afirmou ainda que se os manifestantes não avisam com muita antecedência, “eles estão abrindo mão de uma garantia que eles teriam que é justamente a interlocução com o poder público, pois a polícia vai estar lá para garantir a manifestação e não para impedir a manifestação. Aviso prévio serve para garantir que os manifestantes entrem em entendimento com os poderes públicos.”
Para Martim de Almeida Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, não há nada que determine o limite que deve ser dado aviso prévio.
“É uma situação complicada. A Constituição Federal, em seu artigo 5º e inciso XVI não diz o tempo prévio, como deve ser feito, se por escrito, verbalmente a comunicação da manifestação e seu trajeto. Na letra seca da Lei é assim. Ocorre que o constituinte, em 1988, entendeu que havia um sistema libertário no país e não considerou necessário isso”, disse.
Sampaio diz que o país está passando por uma “onda conservadora” e que isso difere do contexto em que a Constituição Federal foi redigida. “Estamos vivendo um estado policial penal onde a solução é a polícia ou a cadeia. Se ocupa escola, chama polícia. Se faz manifestação, chama a polícia.”
Ele criticou o posicionamento de Alexandre de Moraes que disse que vai repetir a ação policial caso não seja informado às autoridades o trajeto da manifestação.
“O secretário não pode criar uma obrigação com a ação da polícia. Se quiser mudar a Constituição, entre com um Projeto de Lei que regulamente o que está lá.”