Para a promotoria, vereador Bilili (PSDB) e mais seis pessoas agiam para driblar a fila do sistema de regulação de consultas e exames pelo SUS e beneficiar pacientes indicados pelo parlamentar. Ele nega a irregularidade.
A Justiça bloqueou até R$ 836,3 mil em bens do vereador de Taubaté, Bilili de Angelis (PSDB), em uma ação por improbidade administrativa – o valor equivale a 100 vezes o salário do político. A decisão é resultado de uma denúncia do Ministério Público (MP-SP) que apontou que o parlamentar encabeçou entre 2013 e 2016 um esquema para fraudar, por meio de ‘fura fila’, o agendamento de consultas e exames no núcleo de regulação de vagas ‘Cross’ – que gerencia o atendimento de pacientes pela rede SUS no estado. Ele negou as acusações. (leia abaixo)
De acordo com a denúncia, do promotor José Carlos Sampaio, o esquema contava na época com a participação de duas funcionárias do Hospital Regional e três assessoras do parlamentar. Ao todo foram sete pessoas denunciadas, entre elas também a atual secretária de Saúde de Pindamonhangaba, Valéria Santos, cuja filha é assessora de Bilili.
Valéria foi diretora da Diretoria Regional de Saúde (DRS) até 2016. A unidade é um braço administrativo da Secretaria Estadual da Saúde na região e gerencia o Cross. Ela deixou o cargo para assumir a secretaria de Saúde em Pinda. A senha dela no Cross foi usada na suposta fraude.
Na ação, a promotoria diz que o gabinete do vereador era usado para marcação de consultas e exames. No procedimento regular de acesso ao Cross, o paciente precisa passar por uma consulta na rede pública, receber do médico a indicação de um procedimento e, só então, é incluído no sistema que regula a oferta de serviços de saúde no estado.
Essa inclusão no Cross, feita por um serviço central, depende ainda da observação do médico, que é quem aponta se é um caso de emergência.
Segundo o MP, com base no depoimento de uma das acusadas e pelo rastreamento de provedores de internet, que mostraram acesso ao sistema Cross a partir de um computador na Câmara, foram inseridas, irregularmente no sistema a pedido do vereador, pessoas que não tinham a indicação médica.
A investigação apontou que há indícios de 252 atendimentos no esquema ‘fura fila’ no Hospital Regional. Para o MP, o objetivo do esquema era ‘obter dividendos políticos ao parlamentar’. O vereador nunca ocultou sua atuação regional como agenciador de exames e consultas, mas defende não haver irregularidade na ação. (veja vídeo abaixo)
Entre os crimes cometidos pelos denunciados, segundo a MP, estão associação criminosa; falsificação de documento público; falsidade ideológica; uso de documento falso; inserção de dados falsos em sistema de informações; modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações e corrupção passiva.
A denúncia foi acolhida, mas não há prazo para julgamento do mérito pela Justiça.
Esquema
Para incluir os pacientes no Cross, Bilili precisava de uma senha de acesso ao sistema. De acordo com o promotor, o gabinete dele obteve o acesso por meio de uma troca de favor, empregando a filha da ex-diretora da Diretoria Regional de Saúde (DRS), Valéria dos Santos – hoje secretária de saúde em Pindamonhangaba. No processo, Bilili e Valéria negaram a existência de vínculo de amizade entre eles.
“Eu conheço o vereador Bilili, pois minha filha trabalha com ele. Eu nunca tive vínculo com o vereador, pois o conheci no DRS, onde ele compareceu umas três ou quatro vezes”, disse Valéria durante a investigação.
A filha de Valéria, assessora de Bilili, conforme consta na denúncia, usava o acesso da mãe para incluir os pacientes na lista sem que precisassem seguir o protocolo. Na ação, o MP colheu depoimentos de pacientes que iam ao gabinete e eram atendidos por ela. Eles contam que entregavam os pedidos e dados pessoais e depois eram avisados das datas para atendimento.
O MP rastreou os acessos ao Cross e descobriu pelo registro IP que eles eram feitos por computadores de dois endereços: do gabinete de Bilili na Câmara e da casa da filha da secretária.
Para possibilitar o ‘fura fila’, a promotoria acusou Bilili de contar com a conivência de duas funcionárias no Hospital Regional por meio de troca de favores. Ambas tinham acesso ao lançamento de informações no sistema Cross e teriam recebido, semanalmente, até 2016, lista de pacientes que deveriam ser inseridos no sistema Cross de forma fraudulenta.
O MP apontou, com base no depoimento de uma delas que a troca de favor pelo serviço foi a doação de postes padrão de energia elétrica. “O vereador Bilili me presenteou com a doação de um poste padrão, que foi instalado na residência do meu namorado”, disse uma das denunciadas por integrar o esquema. Ela foi demitida em 2016.
Segundo o órgão, a ação fraudou o direito de acesso à saúde dos pacientes, beneficiando uns em detrimento de outros. O MP pediu o afastamento do parlamentar e da assessora dele, filha da secretária de Pinda. Apesar do bloqueio de bens do vereador, o pedido de afastamento foi negado na decisão do último dia 17.
Outro lado
Por meio do advogado, Daniel Brandão, Bilili informou que fazia pedidos de inclusão de pacientes no sistema, mas em vagas remanescentes e obedecendo ao protocolo legal. Sobre as alegações de que fazia marcações em seu gabinete, disse considerar que isso é parte de seu trabalho como agente fiscalizador de saúde.
“Se o setor público fosse eficiente, não necessitaria do vereador. Se há ineficiência no estado, o vereador é obrigado a intervir”, afirmou o defensor do parlamentar.
A Secretaria Estadual de Saúde informou em nota que não foi notificada sobre a denúncia de fraudes e que está à disposição para esclarecimentos. “A pasta repudia todo e qualquer ato que prejudique a assistência à população. Uma apuração preliminar foi instaurada e, se confirmadas as irregularidades, o servidor envolvido será responsabilizado de acordo com a legislação”, completou.
Em nota, o Hospital Regional informou que “zela pela plena regularidade de sua operação e coloca-se totalmente à disposição da Justiça para a apuração dos apontamentos do Ministério Público, naquilo que eventualmente envolver condutas praticadas pelos empregados do Hospital”, disse a unidade.
A direção do Regional afirmou ainda que vai abrir sindicâncias internas para apuração dos fatos contidos na denúncia e, sendo comprovadas, vai aplicar as sanções previstas na legislação.
Sobre a informação que consta na ação, que o hospital confirma 252 agendamentos de ‘primeira consulta’ por funcionária não autorizada, o hospital afirma que eventuais fraudes serão apuradas no curso do processo. A mulher, que foi denunciada pela promotoria, não tinha permissão para esses agendamentos e foi demitida em 2016.
A Prefeitura de Pindamonhangaba, onde hoje atua Valéria, não quis se pronunciar sobre o caso.
Foto: Divulgação