Prestes a completar três anos de atividade no Brasil, o Uber coleciona fãs e críticas desde o início de sua operação no país. Entre as críticas, usuários relatam queda na qualidade de serviço e a demora para responder reclamações dos usuários. Do outro lado, motoristas apontam que a segurança diminuiu desde que passaram a aceitar pagamento em dinheiro.
O aplicativo de transporte começou a funcionar no Rio de Janeiro, em maio de 2014. No mês seguinte, foi lançado em São Paulo. De lá para cá, o serviço acumulou popularidade e polêmicas em ritmo acelerado e, hoje presente em dezenas de cidades brasileiras, passou também a enfrentar a concorrência de outros aplicativos com serviço semelhante.
Em São Paulo, onde os aplicativos de transporte passaram a ser regulamentados a partir de maio de 2016, o Uber tem entre os seus principais concorrentes Cabify, 99 e Easy.
Os dois últimos, lançados no início da década como serviços de táxis, também passaram a oferecer carros particulares em diferentes categorias. Já a Cabify, que começou a operar na capital paulista em junho do ano passado, aposta em um serviço voltado para passageiros que priorizam mais o conforto do que o tempo de espera e o preço da viagem.
“A gente tem um público muito exigente em qualidade e segurança”, afirma Daniel Velazco-Bedoya, diretor-geral da Cabify no Brasil. “A nossa ideia sempre foi ter uma qualidade de serviço de chofer particular. As nossas boas práticas incluem orientações sobre como atender um passageiro, como se vestir e como manter a qualidade do carro, incluindo, além da limpeza, uma manutenção rotineira.”
A Cabify diz que já conta com 1 milhão de usuários em sete cidades brasileiras. Bedoya estima que a empresa tem alcançado um ritmo de crescimento mensal de 80% desde que chegou ao país e que estuda lançar novas categorias de serviço, incluindo opções específicas para bebês e bicicletas e até viagens de helicóptero.
Mas, na comparação com a concorrente que lidera o mercado de aplicativos de transporte individual, a dimensão do serviço ainda é limitada. O Uber afirma que, apenas em março, 13 milhões de pessoas se deslocaram pelo Brasil usando o seu aplicativo.
Em fevereiro, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), informou que o número de veículos de aplicativos que circulam pela cidade já supera a quantidade de táxis: cerca de 50 mil contra 38 mil táxis.
Estima-se que 90% dos carros de aplicativos utilizam o Uber, e a própria empresa diz que tem mais de 50 mil carros rodando por todo o país. Com o crescimento da concorrência, muitos motoristas passaram a usar mais de um aplicativo ao mesmo tempo.
Além de ser pioneira no uso de carros particulares e de acumular mais usuários, o Uber também consegue oferecer uma frota maior por aceitar veículos mais antigos, desde que fabricados depois de 2008. Na categoria UberX, os carros podem ser menores e não precisam ser Sedans ou SUVs, como no caso da categoria Black. Recentemente, a empresa lançou um novo serviço, o Uber Select, que só inclui veículos mais confortáveis e fabricados depois de 2012, com um preço até 20% maior do que o UberX.
Lucro e qualidade em queda
No atual cenário de crise econômica e de aumento do desemprego, dirigir um carro de aplicativo também se tornou uma opção de trabalho. Mas André Cristiano Lameira, 32, motorista parceiro do Uber há mais de um ano, diz que o crescimento do número de veículos na plataforma tornou o negócio menos vantajoso. “Quando eu comecei, havia apenas 7.000 veículos [no Uber], e o lucro que a gente tinha era bem superior ao de agora, caiu 70%”, afirma Lameira, que trabalha cerca de 12 horas por dia.
Da mesma forma como viu crescer o número de passageiros e motoristas, o Uber também passou a lidar com mais reclamações. O fisioterapeuta Thiago Wetzel, 35, passou a usar o aplicativo há cerca de um ano e meio para se deslocar por São Paulo. Em algumas ocasiões, chegava a usar o Uber três vezes ao dia. No início deste mês, no entanto, após observar uma queda na qualidade do serviço, resolveu migrar para a concorrência.
“No começo, as experiências foram bem interessantes, pelo preço, pela comodidade e pela praticidade”, afirma Wetzel. “Há alguns meses, eu passei a ter algumas experiências menos agradáveis: carros menos confortáveis, sem ar-condicionado e problemas na cobrança. Mas o que me incomodou foi que, nos últimos problemas que eu tive, eles demoraram muito para responder minhas reclamações. A demora foi tão grande que eu acabei mudando para outro aplicativo.”
Já a desenvolvedora de sistemas Nathalie Richter, 31, que mora em Itatiba (SP), teve sua primeira experiência com o Uber no fim de março, durante uma viagem de duas semanas a São Paulo. O balanço de quase uma dezena de viagens com o aplicativo foi positivo: 90% das viagens correram bem, o serviço foi ágil e eficiente e os preços agradaram. Mas a única tentativa malsucedida de usar o aplicativo incomodou.
Em uma das noites de sua estada em São Paulo, quando retornava de um curso para o lugar onde estava hospedada, Nathalie pediu um carro via Uber, mas o veículo demorou a aparecer. Cansada de esperar, ela resolveu pegar um táxi comum. O motorista do Uber cancelou a corrida. Nathalie diz que foi cobrada pela viagem que não aconteceu e por uma taxa de cancelamento. Considerou que o valor cobrado era injusto e reclamou no aplicativo e nas redes sociais.
“Não tem nenhum e-mail e nenhum lugar no site do Uber, na ajuda do Uber, em que você escreva para eles, em que você entre em contato com alguém”, afirma Nathalie. “A única opção no aplicativo é ‘reportar viagem’, mas são motivos predefinidos. Não tem atendimento, só o contato eletrônico.”
Questionada sobre as reclamações, o Uber afirmou que a “avaliação mútua” é “o grande balizador da qualidade do serviço prestado pelos motoristas parceiros”.
“Além de ser anônima, é ela que garante que a plataforma se mantenha saudável tanto para motoristas parceiros quanto para usuários”, acrescentou a empresa. “Os motoristas precisam ter média de 4,6 (em uma escala de 1 a 5 estrelas) para continuar na plataforma. Vale ressaltar que a nota média de avaliação dos motoristas no Brasil continua estável, em 4,8.”
O Uber acrescentou ainda que, diante de problemas, os usuários devem reportar os fatos diretamente pelo aplicativo e que uma equipe de suporte está disponível para atender as reclamações 24 horas por dia, sete dias por semana.
Reclamações trabalhistas
As longas horas de trabalho com o aplicativo expõem outra polêmica do serviço: muitos críticos acusam as empresas de explorar a mão de obra do motorista sem pagar por seus direitos trabalhistas. “Eu estou conseguindo pagar minhas contas, mas eu trabalho muitas horas e fico muito tempo longe da minha família”, diz Lameira. “Esse é um ponto totalmente negativo pra mim.”
Em fevereiro, a 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte reconheceu vínculo empregatício entre a Uber e um motorista que entrou na Justiça. Na sentença, a empresa foi condenada a pagar horas extras, adicional noturno, verbas rescisórias e restituição de gastos com combustível e água, em um valor total de R$ 30 mil. Após a decisão, a Uber anunciou que entraria com um recurso contra a punição.
A Uber afirma que “já existe precedente judicial que confirma o fato de que não há relação de subordinação da empresa sobre seus parceiros”. Duas semanas antes da decisão que condenou a empresa, uma outra vara da Justiça do Trabalho de Belo Horizonte, a 37ª, negou o vínculo empregatício entre a Uber e outro motorista.
A empresa diz ainda que “os motoristas parceiros são usuários da plataforma”, que utilizam a tecnologia do aplicativo para prestar seu serviço de transporte individual privado. “Não existem taxas extras, diárias ou compromisso com horas trabalhadas. Os motoristas podem inclusive ficar meses sem se logar na plataforma”, acrescenta a Uber.
A posição é semelhante à defendida por outros aplicativos. O diretor geral da Cabify no Brasil diz que a empresa tem “bem claro” o seu modelo de atuação como uma agência de transporte. “O próprio motorista nos contrata para fazer a mediação, assim como o passageiro também. A gente é como uma agência de viagens”, afirma Bedoya. “Nós entendemos de forma muito clara que isso mostra a total independência entre as partes.”
Corridas pagas com dinheiro geraram insegurança para motoristas
A popularização do serviço prestado pelo Uber também produziu queixas diante das recentes notícias de assaltos e outros crimes registrados durante viagens solicitadas pelo aplicativo.
Em fevereiro, a agência de notícias Reuters divulgou dados obtidos junto à Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo com base na Lei de Acesso à Informação. Segundo o levantamento, as ocorrências envolvendo motoristas do Uber saltaram de uma média de 13, nos sete primeiros meses de 2016, para 141 nos outros cinco meses do ano.
Um dos fatores citados por muitos motoristas para explicar o aumento dos crimes foi a mudança do aplicativo, adotada justamente em julho do ano passado, que passou a permitir o pagamento em dinheiro para corridas do Uber.
Para o motorista A.S.M., 52, foi o começo do fim da relação com o aplicativo. “As mudanças negativas começaram quando o Uber criou a corrida a dinheiro, começaram a ter muitos assaltos”, afirma o ex-gerente comercial de uma indústria química. Hoje, ele também dirige pela Cabify e pela 99 e dedica apenas entre 10% e 15% de suas 12 horas diárias na rua a corridas pelo Uber.
“As condições de segurança pioraram drasticamente por causa das corridas a dinheiro. Eu não estou a fim de pagar o preço de aumentar uma estatística”, diz o motorista. “Eu fiz uma promessa à minha família de que jamais irei aceitar uma corrida a dinheiro. Invariavelmente, eu cancelo todas. Com isso, o meu nível de ociosidade do Uber é de 55% a 65%”, diz o motorista.
A.S.M. pediu para não ter seu nome divulgado por temer retaliações. Ele reclama que se considera punido pelo aplicativo por não aceitar as corridas a dinheiro. O motorista afirma que, quando recusa três corridas consecutivas, é desconectado do aplicativo e permanece bloqueado por algum tempo.
O Uber afirma que lançou recentemente uma ferramenta de verificação de identidade que exige que usuários que fizerem o pagamento de suas viagens em dinheiro insiram o seu CPF antes de ter acesso ao aplicativo. Além disso, a empresa diz ter aprimorado, no ano passado, um mapeamento de usuários suspeitos e acrescenta que “trabalha junto com as autoridades no caso de investigações, nos termos da lei”.
No último dia 4, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que permite a existência de aplicativos de transporte particular, mas deixam a cargo das prefeituras a legalização a partir de uma autorização como a dos táxis. Ainda precisa passar pelo Senado e da sanção do presidente Michel Temer para passar a valer, mas já há negociações entre parlamentares para propor alterações a essa proposta.