O cenário causado pela pandemia é de muita dor e incertezas, mas de muitos atos de solidariedade. Quando o contágio começou a devastar a Itália, a escritora e jornalista nascida em Guaratinguetá, Lúcia Helena Issa, estava de malas prontas para embarcar para Roma e depois para a África, onde faria um trabalho humanitário, em Moçambique, com a organização Fraternidade Sem Fronteiras, da qual é voluntária. Mas as milhares de mortes na Europa e o cancelamento de voos adiaram o sonho desta iniciativa, que ela já tinha feito na Síria em 2018. “Quando recebi parte da devolução do valor das passagens aéreas para Roma e Moçambique decidi transformar esse dinheiro em ajuda humanitária no Brasil, ao montar cestas básicas para alimentar mais de 200 refugiados muçulmanos no Rio de Janeiro”, explica a jornalista.
A entrega dos alimentos foi feita por Lucia Issa às refugiadas, há poucos dias, na Cáritas, parceira da ONU no Rio de Janeiro. “Foi uma imensa emoção para mim. Recebi muito mais do que dei e acho que a esperança e a solidariedade, quando multiplicadas, têm uma força inacreditável”, reflete ela. “Espero ter feito uma pequena diferença na vida desses refugiados. O mais difícil foi a proibição sanitária do abraço, que eu adoro dar nesses momentos, o abraço que rompe todas as fronteiras e nos lembra de que somos todos irmãos e fazemos parte de uma imensa família chamada humanidade”, completa.
A ligação de Lúcia com os refugiados começou há alguns anos, quando ela esteve por quatro vezes no Oriente Médio como jornalista correspondente. Em 2018, decidiu voltar por conta própria para fazer um trabalho voluntário. Desde então, esteve várias vezes em campos de refugiados sírios e palestinos. “Pude presenciar o que essas pessoas passam fugindo do caos. Esses refugiados da Síria e também do Congo que moram hoje no Rio enfrentaram guerras que já mataram mais de 700 mil pessoas e, agora, se deparam com outro tipo de guerra, uma pandemia assustadora, a fome e a falta de oportunidade”, reflete Lucia, acrescentando que eles vendiam comida em barracas de rua no Rio e, neste momento, perderam sua única fonte de renda, não tendo direito a nenhum programa, como o Bolsa Família ou auxílio emergencial.
Perguntada sobre como acha que será depois da pandemia, a jornalista ressalta que “há uma grande chance de aprendizado nesses momentos de luto e de dor coletiva. Acredito que o individualismo e o egoísmo ocidental podem diminuir, os valores reais como empatia e solidariedade devem voltar aos corações de muitos e o consumismo desenfreado não seja mais tão presente. E sobre as guerras, governos de países como Israel e EUA investiram bilhões de dólares em armas, mísseis de longo alcance que mataram milhões de crianças, em guerras sem fim, e agora descobriram que deveriam ter investido muito mais na ciência e em uma nova vacina para combater um tipo de vírus que já havia matado muitas pessoas em 2002 na Ásia e depois no Oriente Médio. Talvez nesse mundo pós-pandemia, os pesquisadores e cientistas voltem a ser percebidos como os gigantes que são e o conhecimento científico, a solidariedade e o amor vençam o obscurantismo.”
Enquanto se articula para ajudar mais pessoas com outras ações, a jornalista está terminando um livro-reportagem sobre as mulheres refugiadas palestinas. “Vivi 20 dias em um campo de refugiados e fui recebida com imensa gratidão e amor por aquelas mulheres tão diferentes e tão iguais a mim. Não existem guerras “humanitárias”. Todas as guerras são movidas por interesses econômicos e são um negócio bilionário para os que fabricam armas, ódio e morte. Não precisamos de mais armas. Precisamos de mais solidariedade pela dor do outro, menos necropolítica, menos armas e mais vidas humanas sendo salvas”, conclui.
Como todos nós, Lúcia Helesa Issa teve seus planos paralisados devido a pandemia. A jornalista embarcaria para Roma, cidade onde viveu seis anos, e em seguida iria para África onde faria um trabalho humanitário. As milhares de mortes na Europa, a letalidade do vírus e o cancelamento de milhares de voos, acabaram destruindo, por enquanto, o sonho de participar do projeto na África, mas não destruíram sua vontade de ajudar de alguma forma.