De atletas de clubes de regiões separatistas até aqueles que jogam na capital Kiev, escalada das tensões entre Ucrânia e Rússia cria preocupação entre comunidade brasileira
Guilherme Smith viu sua vida mudar de forma inesperada. Com apenas 18 anos, morando sozinho na Ucrânia, o atacante do Zorya Luhansk tenta manter uma rotina de normalidade enquanto, ao seu redor, as notícias eram de guerra iminente. Com a escalada das tensões entre Rússia e Ucrânia, incluindo o anúncio de uma invasão russa, o garoto convive com a tensão e a incerteza, pois o Campeonato Ucraniano acabou suspenso oficialmente.
Originalmente marcado para recomeçar nesta sexta-feira, o campeonato teve sua suspensão oficializada nesta quinta-feira, pela organização do torneio.
– Devido à imposição da lei marcial na Ucrânia, o Campeonato Ucraniano está suspenso – anunciou a Premier League Ucraniana (UPL), em curto comunicado.
Até então, o Zorya de Guilherme vinha mantendo a rotina de treinos.
– A gente está bem focado na volta do campeonato. Ainda não estourou nada, não chegou nada para gente, mas é claro que vivemos com medo, com preocupação. Percebo as pessoas mais tensas. Antes elas viviam mais tranquilas – contou Guilherme ao ge.
Mudança de cidade
O clube de Guilherme é um símbolo da tensão entre Rússia e Ucrânia. O Zorya fica em Luhansk, uma das regiões separatistas que tiveram a independência reconhecida pelo governo russo. Esta parte da Ucrânia tem forte influência do país vizinho, e o Zorya não é diferente: é comum ver referências ao clube com o nome Zarya, seu correspondente na língua russa, que significa “alvorecer”.
Contratado em agosto pelo Zorya, Guilherme nunca esteve em Luhansk. Isso porque, desde o conflito em 2014 que resultou na anexação da Crimeia, outra região ucraniana, à Rússia, o clube precisou sair de Luhansk. Os treinos e os jogos acontecem na cidade de Zaporizhzhia, distante cerca de 400 km da fronteira.
– Na cidade direto passa carro-forte, exército na rua. Isso traz um pouco de medo para nós, que somos de fora.
– Mas parece um dia cinzento. Você sai na rua e vê que o povo está estranho. Fica um clima tenso na cidade. Como estamos longe da divisa, acho que é mais difícil ter um conflito. Mas o exército fica passando de um lado para o outro, e a gente fica com medo – disse o meia Cristian, companheiro de Guilherme no Zorya.
Além de Guilherme e Cristian, o Zorya tem em seu elenco também o lateral Juninho. Segundo Guilherme, eles conversam todos os dias em busca de notícias e também mantém contatos com compatriotas de outros times. A dificuldade de comunicação com os ucranianos atrapalha – por enquanto, eles não foram informados de nenhuma alteração e seguem normalmente a rotina de treinos.
Cristian, porém, já mostra preocupação com a escalada dos conflitos e começa a pensar em deixar o país. A questão, porém, é o contrato a cumprir com o Zorya.
– Eu, no caso, sairia daqui. Mas o problema é que precisamos cumprir o contrato. Não podemos largar. Como os ucranianos estão acostumados com isso, a gente não está. A gente pode ficar que não vai dar nada. A gente fica com medo porque não é acostumado. A gente vive sem saber o que fazer. Se der uma guerra, a gente tem que dar um jeito de sair do país. A gente deixa as coisas arrumadas caso a gente precise sair numa emergência – completou Cristian.