Grandes centros urbanos do Brasil, como Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, apresentaram uma alta incidência de casos de gripe nas últimas semanas. O vírus Influenza, causador da doença, tem uma característica sazonal: ele circula durante o ano todo, nas diversas regiões do mundo, com predomínio nos meses do outono e inverno.
O aumento dos casos durante o mês de dezembro no país é um fenômeno incomum, que pode estar associado à baixa cobertura vacinal contra a gripe, à flexibilização das medidas de restrição adotadas como prevenção à Covid-19 e ao relaxamento da etiqueta respiratória, que inclui o uso de máscaras, a higienização das mãos e o distanciamento social.
“As campanhas foram centralizadas para a vacinação contra a Covid-19. Tivemos as campanhas de influenza, mas a adesão à vacina da gripe foi pequena. Quando há uma baixa adesão, também há um nível mais baixo de proteção”, afirma o médico infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Vigilância dos vírus Influenza: subtipo H3N2
No Brasil, a vigilância do vírus Influenza, causador da gripe comum, é realizada por três centros de pesquisa: o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no Rio de Janeiro, o Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo, e o Instituto Evandro Chagas, no Pará.
A partir de amostras recebidas de unidades de saúde de todos os estados e do Distrito Federal, os pesquisadores realizam análises e o monitoramento do perfil genético do vírus.
O virologista Fernando Motta, do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz, afirma que as linhagens do vírus influenza em circulação neste momento no país não apresentam variações genéticas que sejam desconhecidas pela comunidade científica.
Segundo ele, os casos estão associados principalmente à linhagem “Darwin” do vírus Influenza A (H3N2), que foi a cepa predominante da mais recente temporada de gripe no hemisfério Norte. Diferentemente do novo coronavírus, os nomes das linhagens do vírus da gripe são definidos de acordo com as cidades onde as amostras do vírus foram identificadas e isoladas em laboratório.
Uma das hipóteses para o aumento de casos no Brasil é que a linhagem Darwin não está incluída na composição das atuais vacinas em uso no hemisfério Sul. Seguindo a recomendação da OMS, de 2020, os produtores de vacina incluíram as linhagens de Influenza A/Victoria/2570/2019 (H1N1), A/Hong Kong/2671/2019 (H3N2) e B/Washington/02/2019 (B/linhagem Victoria).
Em geral, as campanhas nacionais de vacinação contra a gripe no Brasil têm início no mês de abril, antecipando a chegada do inverno, com o objetivo de proteger o organismo de pessoas mais vulneráveis, como idosos e crianças, imunossuprimidos e pessoas com comorbidades.
O Instituto Butantan, produtor das vacinas da gripe aplicadas no país pelo Sistema Único de Saúde (SUS), informou em um comunicado que os imunizantes atualizados começarão a ser fabricados em janeiro.
Para o pesquisador da Fiocruz, a possível antecipação da campanha de vacinação no país deve ser avaliada a partir do acompanhamento do cenário epidemiológico da doença nas próximas semanas.
“É uma circulação fora de época do vírus, pode ser que ela não se sustente. Existe uma grande probabilidade dela aparecer em outras partes do país. O adiantamento da campanha seria bom em vários aspectos, para debelar essa situação de surtos e reduzir a circulação viral”, diz Motta. “A vacinação em fevereiro seria boa também para auxiliar os estados da região Norte que apresentam circulação antecipada de Influenza em comparação com os estados do Sul e Sudeste”, completa.
Diferentes tipos de vírus da gripe
Existem quatro tipos de vírus Influenza: A, B, C e D – os dois primeiros são responsáveis por epidemias sazonais em várias regiões do mundo, com circulação predominantemente no inverno e, o terceiro, causador de infecções mais brandas. Já o vírus influenza D, identificado em 2011 e isolado nos Estados Unidos em suínos e bovinos, não é conhecido por infectar ou causar a doença em humanos.
O tipo A é classificado em subtipos, como o A(H1N1) e o A(H3N2). Os nomes das cepas são definidos pelas proteínas essenciais para a capacidade de infecção do vírus Influenza, a hemaglutinina (H) e a neuraminidase (N).
Existem pelo menos 18 subtipos de hemaglutininas e 11 subtipos de neuraminidases descritos pela ciência. O vírus A (H3N2), por exemplo, que tem circulado com maior predominância no Brasil em 2021, contém hemaglutinina subtipo 3 e neuraminidase subtipo 2.
“Todos os anos, as epidemias são provocadas por variantes de três vírus principais, que circulam na população humana, sendo dois do tipo A: influenza A(H1N1)pdm09 e A(H3N2), e de influenza B, que não tem subtipos, mas sim duas linhagens: Victoria e Yagamata”, explica a pesquisadora Paola Resende, da Fiocruz.
De acordo com a pesquisadora, embora haja diferenças genéticas, todos os tipos de vírus influenza podem provocar os mesmos sintomas, como febre alta, tosse, garganta inflamada, dores de cabeça, no corpo e nas articulações, calafrios e fadiga.
O infectologista Álvaro Furtado destaca que as medidas de prevenção contra a gripe são as mesmas utilizadas no combate à Covid-19.
“O uso de máscaras protege contra a Covid-19 e contra Influenza H3N2 e H1N1. Assim como lavar as mãos, evitar ambientes com grandes aglomerações, manter os ambientes ventilados e evitar contato com alguém gripado, que são medidas que ajudam a prevenir a transmissão”, afirma.
Composição da vacina
Para definir a composição das vacinas que serão aplicadas nas próximas temporadas de Influenza, a Organização Mundial da Saúde (OMS) realiza reuniões com um grupo consultivo de especialistas duas vezes ao ano. Os encontros acontecem entre os meses de fevereiro e março para deliberar as recomendações voltadas para o hemisfério Norte e, em setembro, para o hemisfério Sul.
Durante as conferências, os pesquisadores analisam os dados de vigilância produzidos por Centros Nacionais de Influenza (NICs, na sigla em inglês), além de informações sobre a caracterização genética dos vírus. O grupo avalia, ainda, dados de resistência aos medicamentos antivirais, como o oseltamivir, e resultados da eficácia da vacina utilizada na temporada atual e nas anteriores.
Com base no conjunto de análises, a OMS emite, ao término dos encontros, a recomendação das cepas que devem compor o imunizante. Neste ano, ficou definido pela OMS que as vacinas produzidas para 2022 a partir de ovos de galinha, como as do Instituto Butantan, devem utilizar as seguintes cepas.