Uma a uma, as máscaras feitas de palha de buriti saem da casa Kayapó. Dez máscaras representavam macacos, tamanduás-bandeira e guaribas – kukuire, Pàt e Kubù, na língua nativa – todas personificadas por homens da nação Kayapó. Do lado de fora, em uma grande roda, olhos atentos esperam pela sua entrada. É o início de um ritual antigo, a cerimônia de nominação kôkô.
Enquanto as máscaras dançam em torno da roda, os Mebêngôkre cantam. Instintivamente, são acompanhados por todos, em uma saudação uníssona à tradição Mebêngôkre-Kayapó.
“Tem gente que não conhece e diz que índio perdeu a sua tradição. Então é o seguinte: na aldeia onde a gente mora, nós continuamos a preservar o nosso costume, nossa tradição e nossa língua. Você que está aqui, agora conhece a nossa realidade. A realidade é que nós, índios, sempre brigamos por nossa tradição”, disse em alto e bom som o cacique AkjaboroKayapó ao dar início à festividade.
Durante a vida, alguns Mebêngôkre recebem nomes especiais através de uma cerimônia de nominação. Kôkô é apenas um deles. E a festa de Kôkô foi a escolhida pelos Mebemgokre para ser partilhada com a comunidade da VIII Aldeia Multiétnica, nos dias 23, 24 e 25 de julho.
Antes e depois do pôr e do nascer do sol, nestes três dias, as máscaras e os Mebêngôkrê brincaram, cantaram e dançaram na aldeia. De tempos em tempos, o mestre da cerimônia, TakakmaKayapó, explicava, em português, o que a festa significava. “Quem batiza nesta festa, terá a raiz de nome de kôkô e levará esse nome para o resto da sua vida. Está registrado.”
Com um jeito tímido, Kôkôjam apertou a minha mão e escutou as minhas perguntas como se entendesse o português. Enquanto o cacique AkjaboroKayapó traduzia o seu relato, ela sorria. “Eu ainda era criança quando fui registrada com esse nome, só que eu não me lembro da minha festa porque era muito, muito pequena. Mas já participei de muitas festas kôkô. Toda vez que acontece eu tenho que participar, porque eu também sou kôkô”, contou Kôkôjam, que já passou o nome para seu neto, através da mesma cerimônia.
Quem é batizado e recebe o nome Kôkô, não pode, ao longo da vida, comer carne de macaco, tamanduá, guariba, e peixe pintado, pois estes são os bichos presentes na festa. Perguntada se sentia falta de comer essas carnes, Kôkôjam respondeu. “Eu não sinto falta, não pode comer e acabou. É simples”.
TakakmaKayapó explicou o que acontece a quem come. “Se comer macaco, por exemplo, a pessoa nem permanece sentada, logo a pele começa a coçar demais. Se comer peixe pintado, kôkô, aí na hora que for fazer a pintura corporal, a pele fica riscando”, explicou.
Mas não é só kôkô que tem essas restrições alimentares. Seu pai e sua mãe, também não podem comer. PainkaraKayapó, mãe de kôkô, compartilhou sua experiência. “São o pai e a mãe de kôkô que preparam a festa. Que todo dia acorda de madrugada pra preparar tudo para as pessoas que acompanham o filho. Com isso, eu e meu marido também não podemos comer estas carnes. Nunca na vida. Não pode comer macaco, tamanduá, peixe pintado. Se comer alguma dessas coisas vai sentir na pele que está doente. Porque tem espírito que pode jogar veneno pra mim se eu comer. Esses espíritos ficam sempre nos acompanhando, dai se você comer, já fica doente”.
Pintadas e vestidas com ornamentos de miçanga amarela, já no terceiro dia de festa, as mulheres Kayapó entregaram os alimentos aos tamanduás-bandeira que iam e vinham de um canto para o outro da roda central. Os tamanduás-bandeiras foram colocados em hastes e elevados no centro da aldeia. A comoção dos Mebêngôkrê era sentida por todos. A cerimônia de nominação Kôkô chegavam ao fim.
O cacique AkjaboroKayapó convidou a todos para a dança final. Povos indígenas de lugares diferentes e não índios seguiram os Mebêngôkrê-Kayapó por toda a aldeia e entoaram os cantos da festa de kôkô. Chegaram na casa Kayapó, onde as máscaras estavam penduradas e um banquete os aguardava.
“Nossos parentes, nossos convidados e todos os participantes que quiserem vir, venham. A comida é natural, não tem nada de química, não faz mal”, disse AkiaboroKaiapó ao convidar os presentes.
A casa Kayapó estava lotada. No chão, folhas de bananeira serviam de mesa para um banquete. Entre as máscaras, índios e não índios aguardavam o sinal do cacique Akjaboro. Ele chamou as lideranças Fulni-ô, Towe e Yawalapíti, Anuiá; KaririChocó, Tanoné, o secretário de Estrativismo, Paulo Guilherme, o indigenista Fernando Schiavinie coordenador da Aldeia e o idealizador do Encontro de Culturas, Juliano Basso para dar inicio à refeição.
A festa de nominação Kôkô, dos Mebêngôkre-Kayapó, terminava com mãos de diversas cores se servindo do peixe assado na folha de bananeira. A cerimônia de nominação Kôkô chegava ao fim. Mais uma vez, a tradição Mebêngôkre-Kayapóse renovava.