O governo federal recuou e divulgou nesta quarta-feira (22) mudanças no decreto das armas. O Exército vai decidir quais serão proibidas.
O fuzil mostrado pelo Jornal Nacional não poderá ser vendido para o cidadão comum. Mas especialistas afirmam que o novo decreto, mesmo com o recuo, ampliou demais o contingente de pessoas que podem ter acesso a armas pesadas.
O poder de fogo de um fuzil é conhecido. Mas para saber se qualquer brasileiro poderá ter um desses em casa ou não ainda vai levar um tempo. Pelo novo decreto, as armas continuam sendo classificadas como permitidas ou de uso restrito pela potência, que é medida pela quantidade de energia liberada na hora do disparo: a energia cinética.
O limite permanece 1.620 joules. Isso incluía o fuzil T4, calibre 556, de fabricação nacional, como arma permitida para a posse.
Depois que o governo recuou na liberação desse armamento, o novo decreto estabelece que não valem apenas as especificações informadas pelo fabricante. O Exército vai medir a potência das armas
Pelas regras anunciadas nesta quarta, os militares vão listar os calibres permitidos ou de uso restrito com um teste específico chamado cano de prova.
Questionado pelo Jornal Nacional, o Exército tem até 60 dias para fazer o teste, mas já adiantou que a munição 556, usada no fuzil T4, ultrapassa os limites previstos. Quer dizer, o fuzil T4 vai ser considerado de uso restrito e não será vendido para civis.
“Com a nova redação, o fuzil T4 passa a ser proibido para o cidadão comum. Ou seja, ele volta ao seu status de uma arma de uso restrito, restrito a forças policiais, a forças militares tanto na sua versão semiautomática quanto na sua versão automática”, disse Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil.
Segundo especialistas, como arma de uso restrito os fuzis não serão autorizados também para o produtor rural, para quem vive no campo.
“O fuzil foi considerado pela nova classificação como arma de uso restrito e, com o decreto, não se traz nenhuma exceção para produtores rurais, para residentes em área rural em relação ao acesso a este tipo de armamento. Então, vai valer essa restrição, a arma será restrita também nestas circunstâncias”, afirmou o jurista Fabricio Rebelo.
O produtor rural, como está numa categoria profissional de risco, mantém o direito de ter as armas de uso permitido e, segundo o decreto, está enquadrado na efetiva necessidade para o porte, para garantir sua integridade física. Mas o Exército vai dizer onde ele vai poder andar armado, se, por exemplo, apenas dentro da propriedade.
Já colecionadores, caçadores e atiradores continuam podendo comprar qualquer arma de uso restrito, inclusive fuzis. O limite do número de armas foi mantido, pode chegar a 30 por atirador. Para se tornar um caçador, um atirador, basta cumprir algumas exigências do Exército.
“Em tese, isso está acessível a qualquer cidadão que tenha idoneidade e que demonstre a capacitação psicológica e a capacitação técnica para lidar com armas”, confirmou o jurista.
O decreto autoriza que integrantes das forças de segurança, com autorização do Exército, possam comprar armas de uso portátil como fuzis e carabinas para uso pessoal, até cinco armas de fogo. Isso preocupa especialistas em segurança pública.
“As milícias já estão fortalecidas não pelo uso de armas legais, mas pela própria comercialização de armas roubadas e furtadas, muitas com origem legal. Os grupos, tanto facções criminosas quanto milícias, se beneficiam de um estoque de armas grande em circulação que agora, com as medidas de facilitação, será renovado. Indiretamente sim, o decreto pode, e provavelmente acabará acontecendo num prazo de seis meses a um ano, renovando o estoque de armas, tornando essas armas mais eficientes e não existe garantia de que ela não cairá nas mãos erradas e que, portanto, será usada para organização e fortalecimento das milícias”, explicou Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O novo decreto mantém a permissão para que os cidadãos comuns comprem outras armas antes autorizados apenas para forças policiais e de grosso calibre como pistola .40, .45 e 9mm.
A lista das pessoas que vão poder andar armadas na rua aumentou com a nova redação do texto. Além das profissões já autorizadas, como instrutor de tiro, oficial de justiça, conselheiro tutelar e jornalistas que trabalhem na cobertura policial, o governo incluiu guardas portuários, funcionários de lojas que vendem armas, integrantes do Ministério Público e advogados.
“O decreto de hoje comete um deslize e transforma o que antes era uma possibilidade para advogados públicos, defensores e procuradores, para qualquer advogado. É 1,1 milhão de novas pessoas podendo portar arma ou tendo uma facilitação enorme para obter uma arma e levar isso para as ruas. Se o Brasil quer se ver livre da violência e quer andar tranquilo nas ruas, nós precisamos tirar arma de circulação, nós precisamos tirar armas das ruas e não colocar mais e mais gente armada, podendo causar incidentes num momento de trânsito, num momento de briga de rua, como a gente vê todos os dias no Brasil”, disse Ivan Marques, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz.
O prazo de validade do porte de arma, que antes não estava no decreto, agora é de dez anos.
O novo decreto anulou o artigo que dava aos ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública a competência de definir as regras e as normas para transporte de armas dentro dos aviões. A medida tinha sido criticada pelas companhias aéreas. Essa atribuição voltou a ser da Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac.
O porta-voz da Presidência comentou as alterações no decreto.
“O governo tem compromisso com a correção dos atos e acolhe às diversas manifestações dos entes responsáveis pelo aperfeiçoamento do arcabouço jurídico que vai impactar na vida de toda a sociedade”.