Um filhote de boto-cinza foi encontrado morto e com a carcaça retalhada na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. A espécie corre de extinção na área da baía e hoje exite uma população de apenas 34 botos-cinza no local. Presente no brasão da cidade do Rio e ícone da fauna marítima da baía, o boto-cinza já teve uma população de mais de 800 animais na década de 1970. Hoje, os poucos que sobraram estão entre os animais marítimos mais contaminados do mundo. Os botos da Baía de Guanabara são monitorados por pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O pequeno Acerola, de um ano e nove meses, foi encontrado morto em uma das praias da Ilha do Governador, com o corpo mutilado. O professor de Oceanografia da Uerj Alexandre Azevedo, do Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores (Maqua), disse que a causa da morte do filhote ainda está sendo apurada, mas que o aproveitamento da carcaça, que é crime ambiental, pode estimular a caça desses animais.
“Não encontramos indícios de que houve captura intencional do boto, somente que a carcaça teve uso após sua morte. Em 24 anos que monitoramos essa população, isso nunca havia acontecido. Isso é extremamente grave, pois esses animais silvestres estão ameaçados de extinção e se começarem a ser utilizados como isca ou como fonte de alimento, fará com que essa mortalidade aumente ainda mais”, disse. “Se esse animal passa a ser visto como fonte de recurso, pode encorajar uma captura direta dele. Isso é o que nos preocupa”.
Parte das vértebras foram arrancadas, bem como pedaços de músculo, do fígado e de gordura. O pesquisador disse que por meio da analise do que sobrou de Acerola foi possível identificar que o boto estava saudável. Azevedo explicou que a captura de um boto é muito difícil e que geralmente quando ocorre toda a carcaça é utilizada. “Talvez tenha sido uma captura acidental e então aproveitaram a carcaça”.
Fiscalização
A equipe do Maqua vai se reunir com técnicos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para discutir formas de ampliar a fiscalização e proteção dos botos. Um projeto com esse fim chegou a ser implementado no ano passado por dois meses, porém foi suspenso em janeiro devido à crise financeira do governo do estado. “Uma das atividades desse projeto era uma embarcação diária na área que os botos mais frequentam para identificar alteração ou atividade potencialmente impactante para os bichos para evitar mortalidades”.
O chefe da Estação Ecológica da Guanabara do ICMBio, Klinton Senra, recebeu a notícia do esquartejamento do animal com espanto. A unidade de conservação federal ajuda na proteção dos botos que frequentam a área, que engloba parte da baía. “Vamos ter que investigar para entender esse caso especificamente. Infelizmente, a morte de botos ocorrem, mas esse tipo de intervenção humana foi uma surpresa desagradável”, disse.
Klinton disse que a ocupação desordenada da baía, com excesso de embarcações e poluição, tem restringido os espaços de pescadores e botos em áreas cada vez menores, com peixes cada vez mais escassos, aumentando as chances de pesca acidental desses mamíferos. “A salvação desses botos vai depender de uma atuação muito mais incisiva e conjunta de diversos órgãos e da própria sociedade. Se não, só sobrará aqueles dois na bandeira do Rio de Janeiro”.
O Inea informou que vem incluindo medidas compensatórias nas emissões de licenças ambientais de empreendimentos do entorno da baía para a estruturação de um programa com o Macqua no valor de R$13 milhões em cinco anos. O projeto vai estudar, inclusive, a viabilidade de translocação de botos de outras baías.
O instituto informou que a Coordenadoria Integrada de Combate aos Crimes Ambientais (Cicca), da Secretaria do Ambiente, fiscaliza o combate à pesca predatória e a prática de atividades criminosas na Baía de Guanabara.