Os protestos no Chile contra o governo do presidente Sebastián Piñera e as condições econômicas ruins da população mais pobre, crise que já causou pelo menos 19 mortes, deflagraram uma nova onda de ataques à agenda liberal do governo Jair Bolsonaro e do seu ministro da Economia, Paulo Guedes.
Desde a explosão das manifestações, as comparações do Brasil com o Chile têm servido de mote para as críticas de que o avanço da agenda econômica de privatizações, reformas e aperto fiscal pode aprofundar a desigualdade e deixar o País na mesma situação do Chile, levando os brasileiros às ruas.
Em reação às críticas, a equipe econômica se prepara para combater o que chama de narrativa equivocada. Essa defesa é considerada importante, porque o governo está prestes a encaminhar um conjunto de novas reformas e há a preocupação agora de que essa nova agenda, pós-Previdência, não seja contaminada no Congresso pelo discurso antiliberal.
Em documento preparado pelos técnicos para reforçar a comunicação do time de Guedes, obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo, o Ministério da Economia rebate essa associação.
“O Chile tem resultados econômicos e sociais superiores a seus pares na América Latina. Certamente existem espaços para melhorias, mas atribuir os recentes protestos sociais ocorridos no país a um mau desempenho econômico e social, comparativamente aos países latino-americanos, não é uma posição corroborada pelos dados”, diz o documento.
O texto afirma que, no Brasil, várias reformas pró-mercado estão em curso, tendo como linha mestra o foco na correção de distorções econômicas e sociais e zelo cuidadoso com as contas públicas. Segundo o texto, elas serão responsáveis por garantir uma década de crescimento, com redução da pobreza e mais oportunidades.
Para a equipe de Guedes, o crescimento econômico chileno se diferenciou da maior parte dos países da América Latina nas últimas décadas, graças às medidas pró-mercado e à busca pela melhor alocação dos recursos da economia.
Como consequência, o melhor desempenho do Produto Interno Bruno (PIB) chileno não se restringiu às décadas de 1980-2000, quando ocorreram as principais reformas no país, mas perdurou nos anos mais recentes.
A média de crescimento do nível de atividade chileno nos últimos 10 anos foi de 3,1%, enquanto para o Brasil foi de 1,5% e a para América Latina, de 2%. Apesar da desaceleração observada entre 2011 e 2017, a variação do PIB chileno esteve acima da média de seus pares na região.
Chicago
A agenda liberal de Guedes é sempre associada ao Chile, porque o ministro é contemporâneo do time de jovens liberais egressos da Universidade de Chicago, que reformou a economia chilena durante a ditadura de Augusto Pinochet. A associação com o grupo do Chile começou a ser feita tão logo os primeiros nomes da equipe econômica de Bolsonaro foram definidos.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o movimento liberal chileno foi construído na base de uma ditadura. “A modernização do Estado brasileiro está sendo construída dentro de uma democracia. É muito diferente.”
Maia pondera, no entanto, que os avanços precisam estar atrelados à melhoria da qualidade de vida. “Não é uma agenda em que a gente impõe a um Parlamento fechado ou calado a nossa pauta que veio de Chicago”, ressalta Maia, que nasceu no Chile, onde seu pai, César Maia, foi exilado durante a ditadura militar no Brasil.
O presidente da Câmara prepara o lançamento de uma pauta voltada à área social, com projetos que visam a mudanças para a redução das desigualdades. “Precisamos ter a agenda que destrava a economia e na qual possamos ter a redução da pobreza”, diz.
Durante as votações do Congresso, na semana passada, muitos senadores e deputados aproveitaram para atacar a agenda liberal do governo. “A equipe econômica mandou para cá uma proposta que acabava com o BPC, que tinha como exemplo o Chile. Nós fizemos um avanço grande. O Chile não é exemplo para o Brasil”, discursou Omar Aziz (PSD-AM).
Na tramitação da reforma da Previdência, a proposta do ministro de introdução do modelo de capitalização (no qual cada um poupa para sua própria aposentadoria), adotado pelos chilenos durante a ditadura, caiu justamente por causa da resistência dos congressistas, por conta da comparação com a situação atual dos aposentados mais humildes no Chile.
“Nós temos um laboratório de mais de 40 anos no Chile. É evidente que não precisamos repetir o que deu errado. O que devemos fazer? Trazer para cá o que é bom e não trazer o que é ruim”, diz o secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Ele acredita que, mais cedo ou mais tarde, a capitalização voltará ao debate.
(Tomo Carbajo/Fotovimiento)