Ao rejeitar o pedido para soltar o ex-deputado Eduardo Cunha, o Supremo Tribunal Federal (STF) aumentou a chance de que ele faça um acordo de delação premiada. Cunha sempre se negou e se diz inocente. Mas a história da Operação Lava Jato mostra que a cadeia costuma ter um efeito devastador sobre esse tipo de convicção.
Cunha é réu em três processos. É acusado de receber R$ 5 milhões em propina relativa ao contrato de um campo de petróleo em Benin, na África; de ter extorquido a empresa coreana Samsung para que ela fosse contratada como fornecedora de navios-sonda; e de improbidade administrativa por prejuízos à Petrobras.
Há pelo menos outros seis inquéritos em andamento contra ele. A polícia investiga sua participação num esquema de corrupção na Caixa, em outro na obra do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, e num terceiro na empresa de energia Furnas. Também apura seu envolvimento no financiamento a políticos, na venda de emendas parlamentares, na extorsão ao banco Schain e no favorecimento à OAS.
Para não falar na mentira descarada sobre suas contas na Suíça e na omissão da Receita Federal do dinheiro mantido no exterior. Vários episódios de chantagem são atribuídos a Cunha – o último de dentro da própria cadeia, quando invocou o testemunho do presidente Michel Temer e o submeteu a questões intimidatórias por escrito.
Na semana passada, às vésperas do julgamento de seu pedido de soltura, Cunha revelou saber, desde junho de 2015, ter um aneurisma no cérebro. Os médicos haviam recomendado acompanhamento periódico, e os últimos exames, no ano passado, demonstraram que a condição se manteve estável. Na cadeia, ele se recusou a voltar a ser examinado.
O próximo passo agora cabe ao juiz Sérgio Moro: o julgamento de dois dos processos em que ele já é réu. Cunha tem proclamado sua inocência diante de todas as acusações. Mas, diante da profusão de provas que o desmentem, suaa condenação é dada como inevitável. Para Cunha, a esta altura nada mais resta para reduzir sua pena, a não ser contar a verdade num acordo de delação premiada.
Cunha conhece as entranhas do PMDB e terá muito a dizer sobre Angorá, Caju, Justiça, Índio, Sem Medo e companhia. Se fizer delação, poderá dar um novo fôlego à Lava Jato e complicar ainda mais a situação de ministros, parlamentares e do próprio presidente Temer.
A decisão do STF demonstra que, ao contrário do que têm propagado advogados, deputados e ministros, o uso das prisões provisórias não tem sido abusivo na Lava Jato. Ao contrário, elas têm sido usadas dentro da lei – e como uma estratégia legítima para levar os réus a confessar seus crimes e a fornecer novas informações à Justiça por meio das delações. Foi assim com Alberto Yousseff, Paulo Roberto Costa, Ricardo Pessôa e até com o delator mais célebre e renitente, o empreiteiro Marcelo Odebrecht.
No despacho de sexta-feira passada em que manteve Cunha na cadeia, Moro fez uma defesa técnica e fundamentada das prisões provisórias. Constatou que, no julgamento dos recursos em tribunais superiores, preticamente todas foram mantidas – como fez ontem o STF.
Moro relatou que, hoje, há apenas sete presos provisórios da Lava Jato que ainda não foram julgados (Cunha é o mais célebre). “As prisões ou foram paulatinamente revogadas, a grande maioria por este próprio juîzo, ou foram substituîdas por sentenças condenatórias”, escreveu. “É diferente a situação do preso provisório não julgado e a do preso provisório já julgado e condenado.”
Ele citou ainda um levantamento do Ministério Público Federal, estimando em 79 o número total de prisões preventivas ao longo de toda a Lava Jato. “Em quase três anos, é um número significativo, mas outros casos de investigações rumorosas, como a Operação Mani Pulite, envolveram número muito superior de prisões provisórias, cerca de oitocentas prisões preventivas nos três primeiros anos, entre 1992 e 1994, somente em Milão.”
Moro ainda arrematou com um trecho que vale a pena reproduzir na íntegra, para desmentir aqueles que veem a Lava Jato como uma afronta aos direitos civis:
– A questão real – e é necessário ser franco sobre isso – não é a quantidade, mas a qualidade das prisões, mais propriamente a qualidade dos presos provisórios. O problema não são as 79 prisões ou os atualmente 7 presos sem julgamento, mas sim que se tratam (sic) de presos ilustres, por exemplo, um dirigente de empreiteira, um ex-ministro da Fazenda, um ex-governador de Estado e, no presente caso, um ex-presidente da Câmara dos Deputados. Mas, nesse caso, as criti?cas às prisões preventivas refletem, no fundo, o lamentável entendimento de que há pessoas acima da lei e que ainda vivemos em uma sociedade de castas, distante de nós a igualdade republicana.