Em vez de vestidos longos, paletó e gravata, sapatos recém-engraxados e toda a pompa tradicional, apenas uma canga – utilizada na hora de se sentar. Os noivos também estarão bem à vontade: nada de cauda longa, nada de fraque; vão dizer o “sim” completamente nus. Vestido mesmo deve comparecer apenas o padre, que, mesmo sendo adepto do naturismo, estará paramentado com batina e estola, como manda o figurino.
Está marcado para o próximo dia 25, em um sítio no município de Igaratá, região de São José dos Campos, interior de São Paulo, o primeiro casamento naturista católico pelo Brasil. Oficializam a união a pedagoga Gislaine Serafim Rodrigues, de 35 anos, e o advogado Douglas Abril Herrera, de 55 anos. Ambos são praticantes do naturismo já há bastante tempo e o matrimônio acontecerá em evento organizado pelo grupo Nós Naturistas – que congrega adeptos do naturismo e dissemina valores dessa filosofia de vida.
Em conversa com a BBC News Brasil, a noiva conta que a decisão de fazer uma cerimônia assim foi, como a própria filosofia de vida da qual é adepta: natural.
“Moramos juntos já faz um bom tempo e decidimos regularizar nossa situação perante a sociedade”, relata. “De início, só queríamos nos casar no civil e com os familiares mais próximos. Mas percebemos que a maioria dos nossos amigos é naturista. Então por que não celebrar uma data importante com as pessoas que gostamos, com um estilo de vida que também nos encanta?”
Rodrigues garante que “a cerimônia será como a convencional”. “O diferencial é que todos estarão sem aquelas roupas de festa e utilizarão uma canga para se sentar”, explica ela. Ou seja, tudo conforme a etiqueta da filosofia naturista, em que cangas são acessórios indispensáveis ao se sentar, por questões de higiene e respeito.
Decisão tomada, o casal esbarrou em um problema. Como conseguir um padre que topasse a empreitada? O problema nem é o naturismo em si – a Igreja Católica não é contrária à prática. “Não há posicionamento oficial sobre naturismo ou nudismo. Há, no entanto, cuidados propostos por moralistas quanto ao respeito e ao pudor diante da intimidade humana e sexual”, esclarece à BBC News Brasil o filósofo e teólogo Fernando Altemeyer Júnior, professor do Departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
O empecilho é quanto ao local. Salvo raríssimas exceções – como um quadro grave de saúde que impossibilite o deslocamento de noivos ou pais dos noivos -, a Igreja Católica Apostólica Romana não permite a celebração do sacramento do matrimônio em ambiente que não seja dentro de uma igreja. “Os padres [católicos apostólicos romanos] concedem apenas uma bênção fora da igreja e, para isso, teríamos de fazer todo o cerimonial na instituição religiosa também”, diz a noiva. “Por meio de um amigo, conhecemos o padre Daniel, que também é praticante [do naturismo] e foi bem receptivo à ideia.”
Assim, o matrimônio não será católico apostólico romano, mas sim católico ortodoxo americano. Padre Daniel Ferreira, de 60 anos, o celebrante, é membro desse clero desde 1992. Já foi pároco em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo. Atualmente, ocupa o cargo de chanceler da Igreja Católica Apostólica Reunida no Brasil, instituição considerada coirmã da americana.
Ferreira conta à BBC News Brasil que recebeu o convite para celebrar a união por meio de um amigo em comum com os noivos. “Também sou naturista e tenho plena consciência de que todos estão nus por baixo de qualquer vestimenta. Na cerimônia, estarei paramentado porque é o hábito que diferencia o monge – não ficaria bem um padre sem paramentos dando uma bênção, independentemente do objeto dessa benção”, diz ele.
Tanto o sacerdote quanto o grupo Nós Naturistas afirmam que se trata do primeiro casamento naturista celebrado por um padre no Brasil.
A cerimônia
Herrera frisa que o casamento será “exatamente igual a qualquer outro casamento religioso”. “O único diferencial é que todos estarão ao natural”, compara. “Todos os nossos amigos ficarão bem à vontade e nós também, não precisando se prender às ostentações do mundo moderno.”
Ele conta, entretanto, que tanto ele quanto a noiva deverão usar pequenos acessórios que os diferenciem dos demais na cerimônia. “Ambos deveremos se sentir à vontade”, afirma. “Aceitar o próprio corpo é algo que aprendi e tem me feito um bem enorme”, completa Rodrigues. “Como sou a noiva, vou usar alguns adereços que simbolizam o casamento, como o buquê e o véu – afinal, é nosso dia e nele podemos tudo.”
E a família, como fica? A noiva diz que todos sabem que eles são naturistas, mas, até o momento, nenhum familiar “manifestou interesse em participar de um encontro ao natural”. Como não são adeptos, “participarão apenas da cerimônia de união civil”.
Nudez
Presidente do Nós Naturistas, o designer gráfico Eduardo Rossetto, de 56 anos, diz à BBC News Brasil que o casamento marcado para o dia 25 simboliza “mais um passo contra o preconceito”. “Infelizmente a nudez é vista, na maioria das igrejas, como algo pecaminoso – o que não corresponde à realidade”, comenta ele. “Principalmente por não ter nenhuma conotação sexual.”
Rossetto avalia que no Brasil a nudez pública ainda é “um grande tabu”. “A seminudez é permitida apenas no carnaval, por motivos diversos. Topless é proibido, mesmo que muitos biquínis não cubram praticamente nada do corpo. Toda nudez que esporadicamente aparece em um programa de televisão, por exemplo, tem cunho erótico”, elenca Rossetto.
“O grupo Nós Naturistas tenta sempre organizar eventos com atividades variadas para mostrar que não é simplesmente ficar sem roupas, mas sim se sentir livre de tudo o que nos prende no dia a dia. Quando se está nu é o momento em que você é só você, sem rótulos ou padrões impostos pela sociedade: não importa se você é um empresário ou um serviçal, por exemplo – simplesmente somos todos iguais.”
Ele ressalta que “qualquer pessoa pode ser um naturista”, independentemente de idade. “Somos uma grande família com pessoas de 6 meses a mais de 80 anos”, diz.
A noiva Rodrigues conta que participa de eventos naturistas desde 2006. “Tive meu primeiro contato por intermédio do meu noivo. Ele já praticava, me explicou sobre a filosofia e me pediu para que o acompanhasse a um dos encontros”, recorda. “Confesso que foi difícil o primeiro contato, pois não estava habituada à prática de me despir e ver as outras pessoas ao natural, nem sabia para onde olhava [risos]. Contudo, as pessoas que ali estavam ficaram conversando comigo e aos poucos fui me sentindo mais à vontade.”
Ela diz que se sentiu fascinada com a filosofia. “E não larguei mais. O despir-se não é apenas das roupas, mas também aceitar o próprio corpo e reconhecer o outro como igual, sem preconceitos.”
Herrera participa de eventos naturistas há quase três décadas. “Ninguém se transforma em naturista, essa pessoa já tem a pré-disposição para que isso aconteça, bastando apenas encontrar o seu tempo e espaço”, diz ele, à BBC News Brasil. “Sou naturista desde 1991, quando em viagem para Santa Catarina, fiquei sabendo que no balneário de Camboriú existia uma praia de naturismo. Dirigi-me para lá a título de curiosidade.”
Então, deparou-se com, em suas palavras, “um lugar maravilhoso e com recepção calorosa”. “As pessoas estavam despidas de todos os preconceitos, adereços e roupas”, enumera. “Ali ninguém era diferente de ninguém, ninguém ostentava profissão, posição social ou qualquer outra coisa. Todos respeitavam a todos, independentes de suas diferenças.”
Ele ressalta que desde então manteve “o convívio com essas pessoas de caráter e conduta diferenciada”. “Percebi que esse era o meio de vida que sempre busquei”, define.
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