O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu 24 horas para que os advogados de Jair Bolsonaro expliquem a burla à determinação de não dar entrevistas, nem elementos (como áudios e vídeos) a serem utilizados nas redes sociais próprias ou de terceiros. O ex-presidente tinha organizado uma coletiva, ontem, em seguida ao encontro com a oposição, na Câmara dos Deputados. Porém, depois de consulta de seus defensores à Corte sobre as proibições, cancelou o evento. Só que desafiou a determinação de Moraes ao se deixar fotografar com a tornozeleira eletrônica na perna esquerda, ao lado de apoiadores. Aproveitou, ainda, para fazer um discurso.
No despacho sobre o pedido de explicações, Moraes enfatiza que o veto à presença de Bolsonaro nas redes “inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros”, acrescentando que não seria cabível “o investigado se valer desses meios para burlar a medida”. O ministro frisa que o desrespeito à proibição implica em “pena de imediata revogação e decretação da prisão”.
“Não roubei os cofres públicos, não desviei recurso público, não matei ninguém, não trafiquei ninguém. Isso aqui é um símbolo da máxima humilhação no nosso país. Uma pessoa inocente. É uma covardia o que estão fazendo com um ex-presidente da República”, afirmou aos jornalistas.
O discurso foi reproduzido em veículos de imprensa e apareceu nas redes sociais de dois filhos, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL). Além disso, deputados como Nikolas Ferreira (PL-MG), Mauricio do Vôlei (PL-SP), André Fernandes (PL-CE), Zé Trovão (PL-SC) e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) publicaram, nas contas que mantêm nas plataformas, foto ao lado de Bolsonaro com a tornozeleira eletrônica.
Na última sexta-feira, Moraes havia detalhado as medidas cautelares, incluindo a tornozeleira eletrônica e a proibição de usar redes sociais. No mesmo dia em que colocou o equipamento, na Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape), Bolsonaro concedeu coletiva, alegando estar sofrendo uma “perseguição implacável” e passando por uma “humilhação suprema”.
A proibição a Bolsonaro não é inédita e lembra, parcialmente, a imposta ao então pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018. À época, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, autorizou que fosse entrevistado pela Folha de S.Paulo, concessão suspensa pelo ministro Luiz Fux — que proibiu a entrevista e determinou que não fosse publicada, caso tivesse sido realizada. A proibição foi revertida em abril de 2019, quando o então presidente do STF, Dias Toffoli, arquivou a própria decisão que impedia a entrevista. Assim, Lula pôde conversar com a Folha e com o jornal espanhol El País em 26 de abril de 2019, ainda enquanto estava preso.
Apoio
O comparecimento de Bolsonaro na Câmara serviu, sobretudo, para galvanizar o apoio do bolsonarismo à anistia para os envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 e cerrar fileiras contra Moraes e o STF. Terminada a reunião emergencial, convocada pela bancada do PL, o líder da oposição na Casa, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que o Brasil vive “uma democracia muito relativa” e que o Supremo instalou o que chamou de “ditadura da toga”.
“Por mais uma ordem de censura do ministro Alexandre de Moraes, preventivamente seus advogados, inclusive, o recomendaram não mais falar com a imprensa. Este é o Brasil e a democracia relativa que nós estamos vivendo”, disse.
Ainda segundo o parlamentar, mais de 54 deputados e dois senadores interromperam o recesso parlamentar para participar da reunião, que contou com representantes de PL, Republicanos, Progressistas, União Brasil, Novo e Partido Socialista Brasileiro (PSB). A reunião resultou na criação de três comissões internas. A primeira será responsável por alinhar o discurso e a comunicação dos parlamentares nas redes sociais e na imprensa, sob a liderança do deputado Gustavo Gayer (PL-GO). A segunda atuará diretamente na mobilização parlamentar, organizando ações de pressão e articulação junto às mesas diretoras da Câmara e do Senado — a coordenação ficou com o deputado Cabo Gilberto (PL-PB). A terceira ficará encarregada das mobilizações externas e nacionais junto à militância bolsonarista.
Sóstenes anunciou que, como resposta às medidas judiciais, a oposição promoverá manifestações em todas as capitais. Um ato nacional está marcado para 3 de agosto, véspera do fim do recesso parlamentar. O líder do PL destacou que os atos serão proporcionais ao avanço das medidas judiciais contra Bolsonaro. “Já que as escaladas autoritárias aumentam contra nós, aumentaremos o tom das manifestações e de ocuparmos as ruas do Brasil como resposta”, garantiu.
O líder do PL destacou que as futuras estratégias da oposição serão decididas pelas comissões criadas na reunião. “Não vamos antecipar nada do que vamos fazer. Todas as nossas ações, daqui para frente, são deliberadas pelas três comissões. Vamos ocupar as ruas do Brasil para sermos a voz do presidente Bolsonaro, que foi emudecido”, desafiou.
Na coletiva, deputados do PL se abraçaram a bandeiras do Brasil. Segundo Sóstenes, foi presente do ex-presidente, que fez questão de autografá-las. Sóstenes disse que Bolsonaro ficou emocionado ao relatar a situação de ter que comparecer ao encontro usando tornozeleira eletrônica e de estar impossibilitado de se comunicar até mesmo com o filho 03.
Sóstenes aproveitou para defender o deputado Eduardo Bolsonaro. “Vocês acham que o governo Trump taxou o Brasil por causa de Eduardo Bolsonaro? Alguém acredita nisso aqui? Trump taxou vários países do mundo, entre eles o Brasil, e todos que ele taxou já sentou, negociou, resolveu o problema. Vocês vão acreditar que a culpa é do Eduardo?”, cobrou.
Desde o momento em que chegou à Câmara, o tumulto foi generalizado. Além dos seguranças, um séquito de deputados e jornalistas acompanhava o ex-presidente. A certa altura, devido ao excesso de gente, atropelaram e destruíram uma das mesas de vidro que fica no Salão Verde. Ainda na confusão, o deputado Nikolas Ferreira foi atingido no rosto por um celular que tentava registrar a passagem pela Bolsonaro pela Casa.