Áudios compartilhados entre membros de facções do Ceará revelam ordens de presidiários para que comparsas ataquem veículos e prédios públicos. As mensagens chegaram até as autoridades após a apreensão de 407 aparelhos de celulares nos presídios, em 6 de janeiro.
Em uma mensagem, um detento ordena: “Uns toca fogo na prefeitura, uns toca fogo nas coisa lá dos policial, tá ligado?” O Palácio Municipal da Prefeitura de Maracanaú, na Grande Fortaleza, foi um dos 49 prédios públicos atacados no Ceará. “Agora a bagunça vai começar é com força”, diz outra mensagem de áudio. “Agora nós vamos parar os ônibus, vamos tocar fogo com vocês dentro”, ameaça um terceiro detento.
A sequência de crimes é uma tentativa de fazer com que o secretário da Administração Penitenciária, Luís Mauro Albuqurque, desista de medidas que tornam mais rigorosa a fiscalização no sistema penitenciário. “Vocês vão tirar esse secretário aí dos presídios. Vocês vão ver, vai piorar é pra vocês”, ameaça um criminoso.
Em entrevista em 1º de janeiro, ao tomar posse da secretaria criada no segundo mandato de Camilo Santana, Mauro Albuquerque afirmou que não iria reconhecer as facções nos presídios e prometeu medidas para impedir a entrada de celulares nas celas.
Atualmente, a divisão de presos no Ceará é feita conforme a facção da qual cada interno é membro. O secretário pretende acabar com esse critério. “O que nós estamos fazendo é cumprindo a lei dentro dos presídios”, disse o governador Camilo Santana.Áudios também compartilhados em redes sociais revelam o secretário Mauro Albuquerque ordenando apreensões de celulares e televisores nas unidades prisionais. “Vamos intensificar as gerais dentro das unidades. É pra estar dando geral aí até a gente estar arrancando esses celulares tudinho dentro da cadeia, tá ok?”, ordena Albuquerque aos agentes penitenciários.Mauro Albuquerque ganhou fama de “linha dura” entre criminosos após reformar o presídio de Alcaçuz, no Rio Grande Norte. Em 2017, uma rebelião na unidade deixou pelo menos 26 mortos. Lá, Albuquerque acabou com a separação de presos por facções e implantou rotinas de inspeções e disciplina.
Ele foi convidado por Camilo Santana a fazer o mesmo nas unidades do Ceará. “Eu não reconheço facção, o estado não deve reconhecer facção”, afirma o secretário.
As medidas do governo mexem com o domínio das facções nos presídios. Há três anos, as unidades foram separadas por grupos criminosos, e as regalias deles só aumentaram nesse tempo, com comunicação total via telefone, ventiladores, grill e uma série de benefícios. “Eles ficavam à vontade e cometendo esses crimes de dentro das unidades prisionais”, afirma o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários, Valdemiro Barbosa.
Além de determinar o fim das regalias, o governo fez a transferência de 35 presos nas unidades do Ceará para unidades federais. As cadeias do interior que estavam precarizadas e registravam fugas com frequência foram desativadas, e os internos levados a outras unidades.
No meio do conflito entre facções e estado, a população sofre com a onda de violência. “Hoje a comunidade vive um terror. A comunidade está em pânico”, diz um educador, que prefere não ser identificado.
Desde a noite de 2 de janeiro, foram registrados pelo menos 202 ataques em 44 municípios do Ceará. Os criminosos incendiaram ônibus, carros, bancos, delegacias e usaram explosivos em torres de comunicação e de distribuição de energia, pontes e viadutos.
Serviços de utilidade pública como coleta de lixo, correios e transporte público foram suspensos em alguns bairros de Fortaleza, onde os ataques são mais frequentes. Em outras cidades, membros de facção ordenaram que comerciantes fechassem as portas, sob ameaça de morte.