Fase em que a autoafirmação se torna mais presente, adolescência pede atenção dos pais aos hábitos de consumo dos filhos e sinceridade para falar sobre finanças
Roupas caras, tênis importados, aparelhos eletrônicos novos. Adolescentes costumam ter muitos objetos de desejo, mas nem sempre é possível – e recomendado – ceder aos pedidos e comprá-los. É justamente nessa fase da vida que nasce uma necessidade de pertencimento a um grupo e refletir um estilo de vida que nem sempre condiz com a realidade da família.
“Quem tem filhos sabe o quanto é difícil administrar os pedidos de presentes, questão que se complica ainda mais quando a lista dos desejos de consumo chega aos itens mais caros”, afirma Graça Miquelutti Camargo, psicóloga clínica. “Na maioria das vezes, desde a infância, recebe-se informações de promoções voltadas aos seus interesses. Neste cenário, é natural que o jovem queira ter tudo. O papel da família é avaliar a condição financeira, e o mais importante: saber se ele deve ter aquilo”, completa.
Para Silvia Sá, gerente de Educação do Instituto Akatu – Consumo Consciente para um Futuro Sustentável, a família é quem vai mostrar valores e caminhos que a criança e o adolescente precisam seguir. “Na adolescência, há uma quebra, é um momento de tentar decidir escolhas próprias. Nesse cenário de amadurecimento, de mudança de personalidade, é importante falar de consumo. Hoje, a sociedade estimula muito o exagero, como se consumir mais levasse a um padrão de vida melhor.”
Sacolas de compra
A produtora Tatiane Valentim Vasconcelos dos Santos, 30, notou uma mudança de comportamento na filha, Thaísa, 13, há cerca de três anos. “Comecei a perceber hábitos consumistas quando o passeio ao shopping não era legal se não voltássemos para casa com, pelo menos, uma sacola de loja. Escuto sempre as conversas dela ao telefone com as amigas, e, no assunto, tem sempre aquele momento em que uma diz a outra o que comprou, vai comprar ou quer comprar”, diz. “Acredito que isso aconteça porque os adolescentes precisam sentir que são comentados na escola, por exemplo, e buscam esse reconhecimento por meio de roupas, tênis de marca e celular de ultima geração”, acrescenta.
Lidar com essa virada exige paciência e diálogo, ferramentas poderosas que os pais possuem. “É interessante que estes limites sejam construídos ainda na infância. Assim, precisamos ensinar aos nossos filhos que eles terão as coisas se for merecido ou se, naquele momento, os pais possuírem condições financeiras para fazer a aquisição”, explica a psicóloga Letícia Guedes.
E, no caso da impossibilidade de compra por motivos financeiros, o conselho de Graça é apostar sempre na sinceridade. Segundo a psicóloga, os pais devem ser sinceros para que o filho entenda a situação. Os adolescentes não precisam ser excessivamente protegidos dos problemas financeiros da família.
Escolhas
Tatiane lembra um episódio recente, em que, à base de muita conversa, conseguiu convencer a filha a abrir mão de comprar um tênis só pela marca. “Ela precisa de um par de tênis novos e queria um de uma marca de surf porque alguns amigos da escola tinham. O problema é que o valor dele era suficiente para comprar dois de outra marca. Tive de conversar muito, deixei que ela provasse o tênis que queria para que visse que era semelhante ao mais barato e expliquei que, em vez de ganhar um, ela poderia ter dois pares se abrisse mão da marca.”
Para não se tornar um consumista frenético, de acordo com as especialistas, é preciso aprender o valor das coisas e perceber o seu próprio, entendendo que, para fazer parte de um grupo, não precisa ser igual a todos.
Jovem responsável
Mostrar ao jovem o valor do dinheiro, discutindo com ele o que de fato é importante, pode ser a porta de entrada para uma reflexão mais ampla. “Uma questão que pode ser trabalhada com o adolescente é: ‘Quer ter mais coisas ou viver melhor?’ É importante trazer essa reflexão para o jovem, para que ele veja que a escolha de estilos mais sustentáveis é um caminho possível. A questão não é não consumir, porque consumir faz parte da nossa vida. A questão é o que escolhe consumir, para que consome, o que isso traz de valores e benefícios para além do uso imediato”, defende Silvia.
A gerente do Akatu vai mais longe e afirma que também é preciso colocar uma corresponsabilidade para o jovem. “A gente não precisa ficar repetindo o que é certo ou errado, mas pode oferecer possibilidades de escolha e mostrar que ele é responsável. Definir um orçamento ou uma mesada e deixar que ele escolha dentro desse limite. Isso é importante para a formação financeira do jovem e vai levá-lo a pensar: ‘Vou comprar o supercaro e ficar sem dinheiro? Ou um mais barato, que também acho legal, e consigo fazer outras coisas? Ele se responsabiliza pelas escolhas”, reflete.
Perigo
Letícia explica que, quando o adolescente começa a se prejudicar com esses hábitos consumistas, o alerta vermelho dos pais deve ser ligado. “Por exemplo, quando ele passa a não comer o lanche da escola para comprar aquilo que deseja. Abusos e privações deste tipo não são legais e são alguns dos sinais que mostram que os pais precisam ter cautela.”
Sempre de olho nas compras da filha, Tatiane tenta ensinar à ela o valor do dinheiro. “Não dou tudo o que ela quer e, sim, o que é necessário e está ao meu alcance. Tento aconselhá-la no sentido de que não é porque ela não está usando o que todos usam que os outros são melhores do que ela, e que, para ser feliz, não é necessário ter tudo o que os outros têm”, diz.