A presidente convocou reunião emergencial para discutir estratégia para os próximos dias. Com o poder esvaindo-se, ela vê a debandada dos antigos aliados
Quinze horas antes de a oposição obter o 342º voto em favor do prosseguimento do processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff ensaiou uma rotina de normalidade: pedalou pelos arredores do Palácio da Alvorada por cerca de vinte minutos. Um trajeto curto como metáfora de um mandato prestes a ser abreviado. Dilma assistiu à votação na biblioteca do Palácio do Planalto, acompanhada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
À noite, a presidente ficou recolhida, abandonou, pela segunda vez em poucos dias, a ideia de dar uma declaração pública. Em sinal de abatimento no Planalto, delegou a missão ao ministro Jaques Wagner (Gabinete Pessoal), que divulgou uma nota, após 367 deputados aprovarem o processo de impeachment. Wagner considerou a decisão um retrocesso e disse que espera “justiça”. Em tom de lamento, o ministro afirmou que a decisão “ameaça interromper 30 anos de democracia no país” e insinuou que espera uma atenção maior do Senado, uma vez que a decisão em relação às pedaladas fiscais pode abrir brechas para ter efeito também sobre governadores. O petista disse ainda que os deputados federais “fecharam os olhos” às melhorias dos últimos doze anos, período em que o PT está à frente do Palácio do Planalto. “Confiamos nos senadores e esperamos que seja dada maior possibilidade para que a presidente apresente sua defesa e que lhe seja aplicada justiça. Acreditamos que o Senado, possa observar com mais nitidez as acusações contra a presidenta”, disse, criticando a falta de argumentos e de sustentação jurídica no pedido aprovado.
Nos arredores de Dilma, o clima era de inércia. Não demonstravam nada muito além de decepção e tristeza. Para reaglutinar a tropa, a presidente convocou uma reunião emergencial com ministros e parlamentares da base aliada no Alvorada para definir a estratégia para os próximos dias. Diante da derrota, o governo quer evitar nova debandada e pretende unificar o discurso na base aliada de que “a batalha foi perdida, mas não a guerra.” Em entrevista coletiva, depois do resultado, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, afirmou que a presidente estava tranquila, mas que não iria desistir da luta. Segundo ele, Dilma tem uma trajetória de “causas” e que não aceitaria entrar na história como alguém que desiste da batalha.
Senadores da base foram os primeiros a reverberar o discurso do governo e cobrar o apoio da militância. “Vamos mirar o Senado. Não vamos sair da rua. Dia e noite. Se Temer assumir, o governo dele não vai durar três meses. As pessoas agora estão percebendo a linha de sucessão e não vão permitir”, disse o senador Lindberg Faria (PT-RJ). “A gente vê esse canalha, chefe de quadrilha, o Eduardo Cunha, tentando afastar uma presidente honrada e honesta como a presidente Dilma, que não responde a um inquérito. Nós perdemos uma batalha, mas não perdemos a guerra,” insistia o petista, cobrando a mobilização dos trabalhadores. “É um dia triste, mas não podemos desanimar.” A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) também pediu o apoio dos militantes nas ruas. “Vamos ficar firmes para derrubar o golpe.”
A solidão de Dilma
Poucas residências são tão belas e solitárias quanto o Palácio da Alvorada. A combinação de vidro e concreto, à beira do Lago Paranoá, fica distante de todo o resto de Brasília, uma forma de resguardar e diferenciar sua moradora dos outros habitantes da cidade. Dilma está acostumada. Mora no distante Alvorada desde 2011. Contudo, o avançar do impeachment alterou seus hábitos, parece ter encurralado a presidente até mesmo dentro de sua residência. Nas últimas semanas, no tempo que permanece por lá, Dilma tem se restringido à área privativa, uma espécie de grande apartamento, no 3o andar. Pouco sai de lá, pouco desce à ala pública do palácio. Parou de fazer caminhadas pelo bonito jardim, um hábito cultivado até há pouco. Dilma nunca esteve tão só, tão reclusa, neste casulo do poder.
A Presidência da República é, por natureza, uma posição institucional na qual o ser investido está sempre cercado de muita gente, mas solitário em sua essência. Com o poder esvaindo-se, Dilma, no entanto, tem estado sozinha até nessa vida prática. A presidente sempre foi de poucos amigos em Brasília. Costumava telefonar nos finais de semana aos assessores que considerava mais próximos, simplesmente para bater papo. No entanto, mesmo os poucos amigos que a visitavam sumiram este ano. As visitas da família, essencialmente a filha, o genro e o neto, que vivem em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, diminuíram bastante desde que a crise ficou mais pesada. O estado de saúde de sua mãe, Dilma Jane, de 92 anos, inspira cuidados, o que acarreta uma preocupação e um motivo a mais para o recolhimento pessoal da presidente. Desde 2014, quando uma de suas tias que morava no Alvorada voltou a Belo Horizonte, é Dilma quem cuida da mãe.