Há no Brasil um homem que comandou Romário, Bebeto, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho, Kaká e Neymar. Não é Felipão nem Parreira, tampouco Zagallo. Trata-se de Marcos Saeger, comandante que pilota o avião da Seleção na Copa do Mundo de 2014. Do Rio para São Paulo, Fortaleza, Brasília, agora Belo Horizonte. E um currículo invejável na bagagem. Foi ele quem conduziu a equipe em 1994, no tetracampeonato conquistado nos Estados Unidos.
O principal padrinho desse longo casamento é o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, amigo e mentor de sua “convocação” nos anos 90. Resgatado no ano passado, na Copa das Confederações, Saeger é o responsável pelas viagens de 2014, regadas a samba, amendoim e refrigerante e, ele garante, sem turbulências.
O primeiro voo do comandante com a delegação brasileira foi em 1993, para Guayaquil. Os atletas eram pressionados por uma campanha irregular e Teixeira aprovou a interação do comandante com o grupo. Na época, ele trabalhava na Varig, companhia aérea que teve falência decretada em 2010. Depois de 21 anos, muitas viagens juntos e uma breve separação, Saeger foi reconhecido em 2013 por um membro muito especial do tetra.
– O Parreira me viu e disse que eu seria o piloto deles novamente. Acabei fazendo a Copa das Confederações, um amistoso em Boston e outros internos – relata o piloto.
Carlos Alberto Parreira era o treinador em 94, e hoje é coordenador técnico da CBF. Diante do pedido da entidade e dos critérios da Gol, atual companhia de Saeger (idade, tempo de voo e de empresa), o comandante voltou a ser escalado para guiar a seleção brasileira.
Desde o dia 26 de maio, quando o grupo se apresentou em Teresópolis, já foram dez viagens, sempre em voos fretados. Em cada uma, cenas se repetem: Felipão no corredor, na poltrona 1C, ao lado de Parreira e do chefe de delegação, Vilson Ribeiro de Andrade, presidente do Coritiba. É da metade para trás do avião que ecoa o samba.
– Tive contato com muitos jogadores, desde o Romário, passando pelo Ronaldo e até o Neymar. Agora é uma galera bem mais nova, o Julio César é o único veterano. Mas são bem unidos, animados, tocam pagode o voo inteiro. A reunião deles acontece ali na janela de emergência, que tem mais espaço.
Na noite da última segunda-feira, a classificação para as oitavas de final foi intensamente comemorada nos cerca de 70 minutos que durou a volta de Brasília para o Rio de Janeiro, após a goleada sobre Camarões. O comandante afirma que nem tropeços como o empate diante do México inibem o pagode aéreo. Ele vê no capitão Thiago Silva o jogador mais fechado do grupo, o mais sério. E repara na alegria de Neymar, a simpatia de Bernard, as brincadeiras de Marcelo…
Mas, apesar da alegria, o passar do tempo mudou a cara dos voos da Seleção. Saeger diz que hoje há o “padrão Fifa” de viagens. Membros da entidade acompanham cada equipe nos trajetos feitos durante a Copa do Mundo. Jornalistas não entram e uma das principais diversões dos jogadores também foi banida: a entrada deles na cabine de comando.
– Antigamente era permitido, os jogadores iam mais. Hoje, por conta de uma lei da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), a cabine fica o tempo todo de porta fechada. Só tenho contato quando saio um pouco – relata Saeger.
Esse contato é suficiente para conhecer o gosto dos jogadores: o campeão de audiência é o saco de amendoim. Como os percursos não são longos, só há petiscos, e acompanhados de refrigerante, água ou sucos, já que a comissão técnica veta qualquer bebida alcoólica.
Aos 57 anos, o comandante não esconde que sente saudade dos tempos em que havia mais liberdade a bordo. No tetra, por exemplo, ele colecionou bons amigos entre os jogadores: Cafu, Raí, Ricardo Rocha, Dunga e o baixinho Romário, craque da Copa de 94 que profetizava a cada voo:
– Ele dizia que brasileiro não está nem aí para jogo bonito, ele quer é ganhar e saber de gol. E que ele faria aquela Copa, e fez mesmo.
Os Estados Unidos permitiram que a companhia mantivesse seu avião no país e fizesse todos os deslocamentos internos durante a Copa. A tripulação era sempre a mesma e ganhava ingressos de Teixeira para assistir aos jogos. Era uma tortura, já que o sexteto precisava se retirar do estádio no intervalo, ou no máximo no início do segundo tempo. Sem trânsito, eles rapidamente chegavam ao hotel, se arrumavam e partiam rumo ao aeroporto para deixarem o avião pronto.
No penta conquistado na Ásia, em 2002, Saeger teve participação indireta. Conduziu a Seleção nas Eliminatórias e foi ao Mundial a convite do ex-presidente da CBF. Em 2014, ele ainda não conseguiu ver nenhum jogo. Espera ansiosamente pela final no Rio de Janeiro. Enquanto isso, orgulha-se de jamais ter passado por turbulências mais sérias com os jogadores brasileiros.
– Até nisso sou pé-quente. A Seleção viaja em céu de brigadeiro (risos).
Saeger também virou um “placar eletrônico” da Seleção. É ele quem informa os placares dos jogos na Copa que acontecem enquanto os jogadores estão no ar. A partir das oitavas de final, ele pretende mandar mensagens ainda mais emotivas e motivadoras no sistema de som da aeronave. É o sonho do time brasileiro e também o seu: fechar o ciclo com o hexa em casa. Um sonho para quem voa alto.