O governo não acatará à recomendação do Ministério Público Federal (MPF) de afastar todos os vice-presidentes da Caixa Econômica Federal. A Advocacia-Geral da União (AGU) termina a análise sobre o tema e deve se pronunciar contrariamente ao pedidos feitos pelos procuradores, segundo técnicos ouvidos pelo jornal O Globo.
A requisição é considerada drástica pelo governo, já que não haveria denúncias relevantes sobre todos os integrantes da cúpula da estatal. Parte dela, entretanto, é investigada pela ligação com Eduardo Cunha e o ex-ministro Geddel Vieira Lima e possível atuação que tenha favorecido o grupo político dos dois presos pela Operação Lava Jato. Enquanto o governo barra possíveis mudanças, o corpo técnico da instituição e da equipe econômica faz um movimento contrário para blindar a instituição contra indicações políticas.
Nos bastidores, técnicos da Caixa e Ministério Público defendem a troca da vice-presidência do banco público. Com os atuais executivos fora, a ideia é contratar pessoas que estariam menos suscetíveis à interferência dos partidos políticos na concessão de empréstimos e a outras ações dos bancos. De acordo com integrantes do governo, o movimento é patrocinado pela equipe econômica. A presidente do Conselho de Administração é a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, que defende um recrudescimento das regras para a designação de vice-presidentes.
Apoiada por técnicos, ela teria orientado toda a mudança do estatuto que está prestes a ser votado. O documento deve determinar que apenas pessoas com o crivo de consultorias de caça-talentos (head-hunter) assumam os postos. Isso já estava na Lei das Estatais, mas a Caixa deve fixar normas ainda mais rígidas. O movimento de substituição será natural. A avaliação é que se fosse feito de uma só vez afetaria o cotidiano da instituição. Por isso, a exploração do argumento de que é responsabilidade do governo atender ou não o pedido do MPF.
“A Caixa não tem autonomia para nomear ou demitir vice-presidente. Quem nomeia é o presidente da República, ou seja, quem decide isso é o governo”, disse uma fonte da instituição. “Todos os vice-presidentes passam pelo crivo da lei e pela analise do Ministério da Fazenda e do Banco Central.”
O movimento para a blindagem da instituição ganhou força quando um relatório independente foi feito no mês passado. O documento foi produzido pelo escritório de advocacia Pinheiro Neto.
Foram ouvidos os vice-presidentes e analisadas as informações disponíveis das investigações de quatro operações do Ministério Público e da Polícia Federal, que envolvem diretamente a Caixa: “Cui Bono”, “Sépsis”, “A Origem” e “Patmos”. Para que o escritório construísse um parecer, ainda houve o auxílio da análise forense da empresa Kroll e da auditoria da PricewaterhouseCoopers.
Os documentos apontaram várias interferências políticas. Entre elas, do ex-deputado Eduardo Cunha para Antônio Carlos Ferreira, vice-presidente corporativo, na Caixa. O executivo já tinha sido citado na delação de Joesley Batista, dono da JBS, por ter pedido propina de R$ 6 milhões para ser repassada ao ministro do Desenvolvimento, Marcos Pereira.
O MP cita o fato de o próprio Ferreira ter contado que Cunha colocou condições para mantê-lo no cargo. Entre elas, encontrar-se com o deputado. Ele disse que não entendeu que seria uma reunião para prestar contas. Outra condicional era fornecer listas de operações acima de R$ 50 milhões para ajudar a “rentabilizar seu mandato”. Os procuradores relatam ainda pedidos de financiamento de campanha e uma possível influência do ministro Pereira e também do deputado Celso Russomano.
Ferreira também teria dito aos investigadores que quatro consultores que trabalhavam com o ex-ministro Geddel Vieira Lima poderiam ser fontes de vazamento de informações privilegiadas da Caixa. E que, depois do afastamento de um deles, o Rodrigo Rocha Loures (ex-deputado flagrado ao correr com malas de dinheiro) teria procurado o presidente da Caixa, Gilberto Occhi, para tratar de operações de interesse da Rodrimar, empresa que opera no Porto de Santos.
Os procuradores contam ainda que Ferreira disse que foi orientado por Occhi para visitar a JBS para a renovação de uma linha de crédito. “Antônio Carlos Ferreira teria dito que essa visita não seria necessária, pois a questão já havia sido esclarecida. Contudo, Gilberto Occhi insistiu na visita e Antônio Carlos Ferreira cedeu”, diz o MPF.
Segundo os procuradores, Ferreira acredita que o deputado Ciro Nogueira (PP-PI) estaria por trás do agendamento dessa nova reunião. Num dos áudios da delação, Joesley fala em “movimento por fora” para barrar a política de freio dos empréstimos da Caixa, o que – para os investigadores – mostra a intenção de ir contra a política de equilíbrio financeiro com fundamento técnico. Ferreira admitiu manter vínculo com o PRB.
Outro alvo das investigações é Deusdina dos Reis Pereira, ex-diretora-executiva de Fundos de Governo e atual Vice-Presidente da Vice-Presidência de Fundos de Governo e Loterias. Ela afirmou aos investigadores possuir suporte político do PR. Trabalhou diretamente com Fábio Cleto, preso por vender informações privilegiadas ao doleiro Lúcio Funaro e Eduardo Cunha.
A corregedoria da Caixa pegou e-mails trocados entre ela, Mauro Lemos e Carlos Eduardo Nonô (já condenado em improbidade e mencionado na repartição de propinas na Operação Caixa de Pandora, que derrubou um governador no Distrito Federal). No texto, Deusdina cobrava assumir posto no Conselho de Administração da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e insinuava troca de interesses diante de um empréstimo da Caixa. Ela tinha uma planilha com nomes de pessoas politicamente relevantes (ministros, prefeitos e governadores). De acordo com os procuradores, Deusdina apresentou-se a Cunha como substituta Cleto.
Sobre Roberto Derziê de Sant’Anna, vice-presidente de Operações Corporativas, os procuradores dizem que ele alternou diversas indicações políticas que lhe garantiram posições de destaque. Com ele, Cunha e Geddel teriam intermediado interesses do dono da Gol, Henrique Constantino. Ele ainda aprece como recebedor de pagamentos indevidos na delação de Joesley.
Segundo o relatório de investigação interna, “documentos obtidos durante o processo de análise forense revelaram que, efetivamente, Roberto Derziê de Sant’Anna e Moreira Franco possuem uma relação de proximidade e que Roberto Derziê de Sant’Anna por vezes recebeu pedidos de Moreira Franco, inclusive em relação ao fornecimento de informações sobre o status de operações em trâmite na CEF”. Derziê, entretanto, diz que não deu retorno ao ministro.
O presidente Michel Temer também aparece no relatório de investigação interna da Caixa. Quando era vice-presidente, teria enviado e-mail no dia 28 de outubro de 2015 para indicar um nome como Superintendente Regional de Ribeirão Preto. Roberto Derziê de Sant’Anna teria encaminhado o pedido. O executivo afirmou ainda que Temer percebeu sua utilidade em termos de “gestão dos repasses nas emendas parlamentares”.
Relata também que recebeu de Geddel uma mensagem com seus dados de conta pessoal e que o ex-ministro monitorava de perto operações com interesses de parlamentares e até elaborava uma planilha para esse objetivo. Tanto Derziê, quanto Ferreira e Deusdina mantinham reuniões e cafés-da-manhã frequentes com Cunha para tratar de operações da Caixa.
A investigação interna também constatou que José Henrique Marques da Cruz, vice-presidente de Redes, mantinha relações com Geddel e Cunha e que eles se interessavam especificamente das operações Mafrig, Seara e J&F. Eles teriam pressionado para que fossem assinados documentos referentes à operação do grupo de Joesley.
O MP recebeu o documento da investigação interna – que ainda relata vários outros casos – no meio da semana passada e resolveu recomendar imediatamente a destituição de todos os vice-presidentes.
“O fato novo é o relatório da Pinheiro Neto cheio de vícios de governança e cooptação de partidos políticos. Mostram que eles continuaram a fazer negociata depois das investigações. A interferência política ainda continua”, alerta um dos investigadores sob a condição de anonimato.
Essa fonte ouvida pelo jornal O Globo admite que pessoas que não são investigadas perderão o cargo, mas argumenta que esses executivos poderão se candidatar a uma vaga no novo processo de seleção.
Segundo uma fonte do banco, o departamento jurídico colaborou na investigação. Foram criadas internamente duas forças-tarefa. A que tratava de desvios no fundo de pensão teve uma colaboração maior que a destinada a apurar fatos internos. Os investigadores afirmam que além dos integrantes do conselho, o presidente Occhi tem colaborado com a apuração e facilitado inclusive o trabalho do Ministério Público.
Enquanto a investigação avançava, políticos influentes que sentiam que perderiam um feudo para abrigar afilhados fizeram romaria ao Palácio do Planalto. Querem barrar as mudanças, segundo fontes do governo, para manter os vice-presidentes nos cargos. “Todos foram reclamar com o presidente Temer porque não querem abrir mão do poder de indicar um vice-presidente.”
(FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS)