Foram quase três meses acamada. Joelhos e tornozelos nunca doeram tanto, uma dor insuportável, que parecia partir as articulações. Impossível se levantar e manter-se firme em pé. No fim de março, às vésperas de uma viagem, a dona de casa Aparecida da Silva, de 60 anos, moradora de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, foi às pressas ao hospital sentindo calafrios, dores e náuseas. O diagnóstico: chikungunya. Do atendimento de urgência, foi ao clínico, que lhe receitou corticoides para aliviar os sintomas. “Custei a melhorar. Não desejo aquilo para ninguém. Tive dengue há quatro anos, mas desta vez nem da cama conseguia sair”, relata.Aparecida entrou para as estatísticas da saúde pública num cenário de avanço preocupante da doença, que pode se complicar ainda mais no ano que vem, segundo especialistas, diante da possibilidade do vírus se espalhar mais ainda entre uma população sem imunidade.
Disseminada pelo mosquito Aedes aegypti, assim como a dengue e a zika, a chikungunya registrou 16.876 casos prováveis em Minas Gerais em 2017, segundo o último balanço da Secretaria de Estado da Saúde, um salto gigantesco nos números em comparação aos anos anteriores. Em 2014, quando houve os primeiros registros, foram 18 casos; 31 em 2015; e 462 no ano passado. Em 2016, foram confirmados os primeiros casos autóctones (transmitidos dentro do próprio estado). Até 2015, todas as notificações eram de casos importados.
E os estragos causados pelo mosquito, alvo de campanha mantida pelo Ministério da Saúde e executada pelo poder público em níveis locais, vão muito além do sofrimento físico dos pacientes e do quadro incapacitante, que tem reflexos também sobre a economia. Desde o início do ano, foram confirmadas 12 mortes por chikungunya em Minas, 10 em Governador Valadares, onde dona Aparecida se infectou, uma em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, e outra em Central de Minas, no Vale do Rio Doce. Todas ocorreram no primeiro trimestre do ano, coincidindo com o período de maior número de casos e de condições propícias à proliferação do Aedes. Em todos os casos fatais havia presença de doenças associadas. A maioria das vítimas tinha idade acima dos 65 anos.
Apesar do salto no número de casos, a doença ficou concentrada nas regiões de Governador Valadares, Teófilo Otoni, Pedra Azul e Coronel Fabriciano. Por isso, para 2018 o temor é de que a disseminação da virose pelo estado se confirme. Especialistas são categóricos ao alertar que, caso não haja um combate sem tréguas ao transmissor, com adesão de toda a população, a tendência é de que a doença se espalhe. “Assim, a qualquer momento pode haver muitos casos na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A doença é esperada para qualquer hora. Há uma população que nunca foi infectada. A situação neste momento é de atenção”, adverte a diretora da Sociedade Mineira de Infectologia Tânia Marcial.
Por isso, o desafio consiste em ações para evitar a disseminação da doença. Cuidados básicos, como evitar água parada ou acumulada nos chamados inservíveis, como garrafas PET e pneus, são mais do que nunca importantes. “O mosquito é o vetor da doença. Então, se conseguirmos diminuir a quantidade de insetos, já é um passo grande para reduzir o número de casos”, diz. “Torcemos sempre para o pior não acontecer, mas a população também precisa estar preparada para fazer a parte dela”, disse. Em nível nacional, campanha de Combate ao Mosquito 2017, do Ministério da Saúde, tem o objetivo de conscientizar os cidadãos sobre os riscos das doenças transmitidas pelo Aedes e o sofrimento que elas podem trazer. O programa incentiva visitas domiciliares, mutirões de limpeza, distribuição de material educativo, entre outras ações.
RISCOS Também diretora na SMI, Virgínia Zambelli ressalta que a chikungunya, diferentemente da dengue, representa menos risco de morte, mas apresenta outras complicações bastante graves. “Não dá sangramento nem causa uma desidratação importante ou queda de pressão, que são os fatores associados à morte por dengue. A gravidade dela é em relação à morbidade, que seria a limitação ao trabalho, dor articular mais intensa, que pode ser tornar crônica, podendo causar impossibilidade de atividades diárias por até dois ou três anos. Esse é o perigo”, diz.
(foto: APU Gomes/AFP)