Crimes Richthofen e Nardoni: dois casos que chocaram o Brasil e, mais de nove anos depois do crime mais recente, ainda geram curiosidade. No primeiro, um casal foi assassinado em uma ação planejada pela própria filha com a ajuda do namorado. No outro, uma criança de cinco anos foi jogada da janela do 6º andar e o pai e a madrasta foram condenados pela morte da menina. Detalhes dos dois crimes foram contados no livro ‘Casos de Família: Arquivo Richthofen e Arquivo Nardoni’.
Os casos foram acompanhados de perto pela criminóloga Ilana Casoy, autora do livro lançado em dezembro de 2016. Para poder escrever uma narrativa rica em detalhes e fiel a história, ela fez ‘estágio’ informal na perícia de homicídios, teve contato com juízes e promotores, participou de julgamentos e depoimentos – inclusive colaborou nas perguntas aos réus.
“São anos de acompanhamento. Ninguém passa ileso por histórias assim. Consigo contar como romance porque sei de todas as caras e bocas, respiros dos envolvidos porque acompanho de ‘dentro'”, relatou. No livro também tem as anotações da autora durante acompanhamento dos processos.
Ela afirma que o mais difícil é não fazer julgamento. “Quando você vê só o crime, você vê só um recorte e não vai ter empatia. Quando você vai entrevistar e assiste todas as coisas que estão fora da câmera de uma televisão você entende que são pessoas, humanos iguais vocês. Eles têm pais, mães, irmãos e todo mundo foi atingido pela história”, contou.
“Uma coisa que me chama atenção é que a gente acha que quem comete um crime com essa brutalidade é um monstro cheio de truques e inteligência, mas quando você conhece é só uma pessoa comum”, completou.
Ainda neste ano ela pretende lançar um livro neste ano sobre Gil Rugai, condenado pela morte do pai e da madrasta em 2004 em São Paulo. Ela acompanhou o processo.
Celebridades
O crime da Richthofen, aconteceu em 2002 e o Nardoni em 2008. Mesmo muitos anos depois, os casos continuam gerando repercussão. Os autores são considerados até ‘celebridades’ no mundo do crime. Todos os réus dos casos cumprem pena em penitenciárias de Tremembé, no interior de São Paulo.
Para a autora, o que mais chama atenção nesses casos é que foram cometido contra pessoas da própria família. “Celebridade no mundo do crime são comuns, como o Marcola [chefe de facção criminosa paulista], Chico Picadinho, Suzane, várias celebridades que tem importância na história e também dentro do sistema penitenciário. O crime ter torcida é muito ruim, nossa sociedade está um pouco deturpada. Eles têm direito a reconstruir a vida deles, está na Constituição e eu apoio”, disse.
Suzane
Para Ilda Casoy, Suzane, condenada a 39 anos de prisão, rompeu a linha do sagrado, porque matou pai e mãe. Ela acompanhou a reprodução simulada do crime e disse que chorou durante o julgamento ao ver os pais dos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos – que executaram o plano da jovem. Na época do crime, Daniel era namorado de Suzane.
“É difícil ver uma mãe que tem dois filhos réus, ali, sentados. Quando eles entraram ela falou: meus filhos têm cabelos brancos. Ela não os via tinha um tempo, você acaba se colocando no lugar dela”, disse.
A escritora contou no livro, por exemplo, que os pais de Suzane foram mortos a pauladas por uma arma feita pelo Daniel antes. No julgamento, ela diz que cada um teve comportamento diferente. “O Cristian estava nervoso. A calça dele estava tremulando e muito ansioso. Eles tinham boa vontade de esclarecer. O Daniel tem outra personalidade, chorava, com comportamento difícil e concentrado”, contou.
Já sobre Suzane, ela relembra que todas vezes que a viu falando foi com distância muito grande. Mesmo com as imagens dos pais esfacelados no projetor, ela não se comoveu. Ela contou que no dia do crime ela subiu, viu que os pais estavam dormindo e fez sinal para que os irmãos fossem até lá, depois disse que aguardou eles terminarem de matar no escritório no andar de baixo e tampou os ouvidos para não ouvir o barulho.
“Eles sofreram muito pra morrer, a Marisa teve morte agônica, teve traumatismo craniano e ficou agonizando pra morrer, por causa do tipo de trauma que sofreu. Cristian usou uma toalha para sufocá-la [depois das pauladas]. Ela não teve nem tempo de reagir. Suzane ficou sentada ouvindo, preferiria que ela dissesse que saiu correndo, que entrou no banheiro pra chorar, mas dizer ‘fiquei sentada e fechei meus ouvidos’, é doloroso”, disse.
Ela contou ainda que pediu para a perícia perguntar o que ela disse quando os irmãos desceram e a encontraram no escritório. Segundo Ilda, Suzane perguntou: ‘E aí? Acabou? Tudo bem?’.
“Se a Marisa teve tempo de pensar em alguma coisa, com certeza ela pensou nos filhos. ‘Vão pegar meus filhos’ e na verdade ela estava sendo pega pela filha. É doloroso que nunca passaria pela cabeça dela que o perigo estava dentro da casa dela”, completou.
Nardoni
Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá sempre negaram o homicídio. Sustentavam que um invasor, que nunca foi identificado, matou a menina Isabela, filha de Alexandre e enteada de Ana Carolina. Em março de 2010, a Justiça de São Paulo condenou o casal à prisão pela morte da criança. Alexandre recebeu pena que foi reduzida para 30 anos, 2 meses e 20 dias, e Anna Carolina foi condenada a 26 anos e 8 meses.
No caso Nardoni, a criminóloga relembra que quando aconteceu a morte, ela estava fora do Brasil, mas quando retornou ao país, 15 dias depois, foi convidada para assistir um outro júri e os jornalistas começaram a fazer perguntas do caso. Então, ela bateu na porta do juiz para ter acesso ao processo. Ele não deixou ela tirar cópia, mas autorizou a leitura no cartório. Em três semanas, ela conta que estudou o processo de três mil páginas e quando terminou começou a acompanhar o caso pelo Ministério Público.
Ela conta que tem duas provas que a fazem acreditar que o pai Alexandre Nardoni e a madrasta Anna Carolina foram o autores do crime.
“Você não consegue tirar essa casal do local do crime, na hora da queda da janela, eles estão no telefone na mesma hora. Se eles não são os assassinos, eles tinham que ter encontrado. A outra questão é que tem uma foto do quarto da Isabela no processo. No depoimento, o casal diz que colocou a Isabella na cama e depois saiu do quarto. Mas na foto a cama está completamente arrumada, com os brinquedos em cima da cama arrumados e um desenho em folha de papel sulfite que ela deve ter feito de tarde. Só se quem matou a menina, arrumou a cama depois e ainda decorou”, contou.
Ela diz que todos os depoimentos começam falando que eles colocaram a criança na cama e, por isso, logo de cara eles perdiam a credibilidade. “Quando a gente pensa em um pai, pensamos em pais que nem a gente. Não acho que ele era um pai que nem a gente, ele não sabia o nome da professora, pediatra, dos amiguinhos. Alexandre era alheio à vida dela”, completou.